FÓRUM DE ENSINO DE HISTÓRIA: A HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA - DOCUMENTO SÍNTESE

O Fórum de Ensino de História conforma um espaço de discussão acerca das questões que afetam a História, como componente curricular da Educação Básica. Por meio dele, a Associação Nacional de História, na gestão 2019-2021, estabelece uma agenda de discussões com o objetivo de proporcionar aos associados um panorama das questões e discussões que afetam a disciplina em uma de suas mais expressivas manifestações, qual seja o Ensino de História. É a Educação Básica o maior espaço de atuação dos egressos dos cursos de graduação em História e é nela, também, que o saber histórico realiza sua mais abrangente função social: ali, não somente os cidadãos brasileiros em idade escolar têm contato com o conhecimento histórico construído e consolidado, mas, também, a disciplina participa dos processos de formação de crianças, jovens e adultos inseridos nos processos de educação formal.

O Fórum de Ensino de História não se justifica, no entanto, somente pelas questões já apontadas. Nos últimos anos, a História tem estado no centro dos debates envolvendo a Escola, em função dos diversos sentidos que lhe são atribuídos pelo sistema educacional e pela sociedade. Sua condição de disciplina vinculada à Memória e à formação do cidadão a tornam espaço de discussões que se ocupam tanto dos conteúdos objetivos quanto da dimensão axiológica que lhe é inerente.

As discussões conformam um contexto múltiplo e controverso, no qual as disputas de Memória e de concepções sobre a dimensão política da Educação Básica tem se sobreposto às reflexões sobre a contribuição que a História pode oferecer ao processo de formação, participando do desenvolvimento do pensamento formal de crianças, adolescentes e adultos com acesso à Escola. Retomar a discussão sobre o lugar da História na Educação Básica, considerando a natureza da disciplina, do tipo de saber que ela constrói e de como ele participa de modo efetivo do desenvolvimento do pensamento crítico, facultando formas mais complexas de percepção da realidade, constitui a agenda contemporânea dos historiadores brasileiros.

Nesta oportunidade, em encontro promovido em São Paulo, no dia seis de dezembro de 2019, o Fórum foi constituído por duas mesas, compostas por especialistas, as quais apontaram os rumos da discussão nacional em torno dos temas propostos. A mesa A História na Educação Básica – contribuições para o desenvolvimento do pensamento histórico teve por objetivo discutir o lugar da História como elemento constitutivo da formação básica, destacando a contribuição que oferece à formação de crianças, adolescentes e adultos inseridos na Educação Básica. A função da história como componente curricular da Educação Básica e sua relação com as demais disciplinas, nesse sentido, são fatores a serem considerados, assim como o tipo a especificidade que a caracteriza no processo de formação oferecido pela Escola. A mesa História e Ciências Humanas no Ensino Médio – interlocuções possíveis teve por objetivo discutir a base curricular para o Ensino Médio proposta pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o lugar da História na conformação assumida após a Reforma do Ensino Médio. Diante dos objetivos propostos para o Ensino Médio, após a reforma, e do que encaminha a BNCC, pretendeu-se discutir como a História participa dos processos de formação e como se articula com os demais componentes curriculares que compõem a área de Ciências Humanas.

As questões propostas pelas mesas foram discutidas em plenária, a qual teve por objetivo situar alguns pontos que pudessem balizar a atuação da associação, perante os diferentes interlocutores com os quais discute em função da condição da História como componente curricular da Educação Básica, a saber: Qual a contribuição da História no processo de formação de crianças, adolescentes e adultos inseridos na Educação Básica? Como a História se articula a outros componentes curriculares, considerando os princípios estabelecidos para Educação Básica – “pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” – conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional? Como a História se situa no novo arranjo curricular proposto pelo Ensino Médio, após a reforma recentemente concretizada? Como a História se articula aos demais componentes curriculares da área de Ciências Humanas, diante do que propõe a BNCC para o Ensino Médio?

Os presentes à plenária apontaram críticas às reformas recentemente infligidas à Educação Nacional, especialmente às alterações curriculares, com destaque para a condução da elaboração e da discussão da BNCC, a qual afeta todas as disciplinas escolares. Os presentes consideraram que tanto a BNCC quanto a Reforma do Ensino Médio restringem o potencial da disciplina nos processos de formação básica. Tal como se estabelecem na BNCC, os objetos de conhecimento e as habilidades, no que tange ao Ensino Fundamental, e as competências e habilidades, no que concerne ao Ensino Médio, se interpõem à oferta de uma formação intelectual ampla, que verticalize os conhecimentos disciplinares e propicie sua integração. As reformas supracitadas se sustentam em um discurso de valorização das competências para o mercado de trabalho, sem considerar duas questões importantes.

A primeira delas é que o trabalho é parte da vida e não a vida em si. Atribuir tamanha importância ao mundo do trabalho, em um país em que a maior parte das crianças e jovens em idade escolar tem apenas a Escola como principal espaço de formação, é confundir a formação da pessoa com a formação do trabalhador, com todas as consequências que isso implica, especialmente no que diz respeito à reprodução das desigualdades. A segunda diz respeito ao fato de que privilegiar certas competências e habilidades, tendo como o foco determinada dimensão do mundo do trabalho, significa desconsiderar as dinâmicas desse mundo e sua condição histórica. Saber pensar, tomar decisões, refletir sobre o mundo em que se está inserido são atributos essenciais no mundo contemporâneo e, por conseguinte, do universo do trabalho no século XXI.

Cabe considerar um outro fator, não pautado inicialmente pelo Fórum, mas que permeia a discussão enfrentada e que, portanto, ganhou destaque na plenária. Recentemente, o Conselho Nacional de Educação aprovou novas diretrizes curriculares para os cursos de formação de professores, afetando de modo decisivo os cursos de licenciatura. Em linhas gerais, as novas diretrizes submetem os processos de formação docente à BNCC. No que tange à História, tal encaminhamento restringe a oferta de um percurso curricular abrangente, no qual o futuro professor tenha contato com as discussões que fundamentam a produção do saber histórico e o seu diálogo com outras disciplinas, condição essencial para o exercício da profissão por qualquer professor de História. Ademais, as diretrizes operam no sentido de conformar os cursos superiores de formação de professores como um espaço de treinamento, desvirtuando a natureza da formação superior – a constituição de um intelectual, por meio do acesso a discussões que lhe garantam autonomia de pensamento e competência profissional. As diretrizes para a formação de professores, então, acabam por complementar o que a BNCC encaminha: uma formação de orientação técnica, voltada para o desenvolvimento de competências que interessam a certas demandas do mercado de trabalho, mas não preparam o estudante para viver no mundo. Por isso, nosso descontentamento.

A História, como disciplina escolar, ensina a ler o mundo, em letramento específico – o que significa pensar historicamente: reconhecer evidências, perceber padrões, construir argumentos pautados na historicidade dos homens e mulheres. A História, pois, participa dos processos de construção do pensamento formal, em perspectiva histórica, por meio do estudo de diferentes sociedades humanas. A História, no entanto, não é solitária nesse processo de formação. Os presentes ao Fórum assumem que as diversas disciplinas escolares participam, cada uma com sua contribuição, da formação básica. A interdisciplinaridade, nessa perspectiva, é resultado de uma base disciplinar sólida a qual permite o diálogo entre práticas escolares e a conformação de um currículo que engendre a comunicação entre os diversos saberes escolares.

Os presentes a esta edição do Fórum de Ensino de História reconhecem, então, a importância do saber disciplinar e defendem a necessidade da manutenção da História como saber disciplinar e a Escola como espaço de discussão e de expressão de diferentes memórias, posicionamentos, perspectivas e expectativas. Para que a Escola e as disciplinas que a conformam cumpram o seu papel são necessários recursos e, registre-se, nos últimos anos as políticas educacionais tem sido pródigas na produção de prescrições curriculares e módicas na provisão de recursos que sustentem a Escola em vigor, quiçá aquela desenhada pelas propostas formuladas de modo apressado e sem participação efetiva e exaustiva da sociedade civil organizada.

Diante do exposto, os presentes demandam que as mudanças educacionais sejam objeto de ampla discussão, envolvendo os diferentes agentes sociais e, particularmente, aqueles envolvidos na oferta da Educação Básica, como os docentes, nas Escolas, associações científicas, organismos de classe e instituições de formação de professores.

São Paulo, 6 de dezembro de 2019.