PRESSÃO PSICOLÓGICA, ASSÉDIO MORAL, COAÇÃO E CONSTRANGIMENTO: O CAMINHO PARA A MINHA DEMISSÃO

por Gabriela de Freitas Xavier


Sexta-feira, 28 de setembro de 2018 – assim que entro para dar aula numa turma de 9º ano encontro alguns alunos e alunas em volta da minha mesa, bastante preocupados, porque foi dito no grupo de WhatsApp de seus pais e mães que eu tinha o perfil doutrinador, era líder e influente demais e que estava falando de maconha em sala de aula.

Terça-feira, 02 de outubro de 2018 – a coordenadora do Ensino Fundamental II (anos finais) veio ao meu encontro dizendo que a diretora da escola queria conversar comigo sobre a repercussão de um possível projeto que eu estava anunciando aos alunos e alunas do 9º ano sobre a descriminalização da cannabis. A mesma coordenadora ainda falou para que eu não me preocupasse porque os próprios alunos já haviam dito que não tinha nada a ver, que tinha sido um mal-entendido de uma aluna que estava dormindo na hora da aula e reproduziu para a mãe qualquer coisa que havia escutado. Disse inclusive que estava tudo certo e que eu não me preocupasse.

Quarta-feira, 03 de outubro de 2019 – cheguei cedo para a reunião com a diretora da escola. Entro em sua sala juntamente com a coordenadora e a psicóloga do Ensino Fundamental Nível II (anos finais) e Ensino Médio. Durante a conversa,

1. A diretora começa a dizer que:

- Você é líder e exerce uma influência muito grande entre os alunos;
- Inclusive, tem mãe que chega aqui dizendo que está com duas “petistas” dentro de casa;
- Você está fazendo um projeto sem comunicar à direção? Eu preciso saber disso. Você quer levar os meninos para conhecer algo que é proibido! Eu vi como é lá no Maranhão as pessoas indo atrás de “comprar” maconha escondido! Isso é ilegal!
- Quem fideliza o aluno na escola é o professor! Uma aluna chegou em casa dizendo que você comparou maconha com açúcar! A mãe veio aqui falar comigo porque até os alunos estão querendo lhe defender e agora a menina não quer mais nem vir à escola! Entenda que você é líder. Precisamos manter o aluno na casa (referindo-se à escola). O que a gente pode fazer para se retratar com essa aluna?
Todos os anos, quando a gente precisa tirar alguém, a gente analisa muito e procura entender e manter na casa principalmente aqueles que só têm a instituição como emprego (era meu caso). Tem um monte de gente lá fora querendo entrar aqui.

2. A psicóloga então pergunta:

- Em que contexto você resolveu falar essa história de maconha? Por que você chegou nesse assunto?

** EU: Explico então o contexto histórico, já que a cannabis foi proibida no Brasil durante o governo de Getúlio Vargas (atual assunto dos 9ºs anos onde os mesmos prepararam uma exposição). Também pelo fato de João Pessoa ser referência nacional e quiçá mundial sobre a fabricação do óleo de cannabidiol para diversos tratamentos, inclusive para autismo (já que a escola era vista como modelo na acolhida às crianças com autismo e outros). Além disso, o histórico da própria fibra do cânhamo...

*** Nesse momento, a psicóloga da Educação Fundamental Nível II (anos iniciais), entra na sala e começa, de certa forma, a defender o projeto dizendo que atendia diversas crianças que eram tratadas com o óleo de cannabidiol e que era impressionante o quanto elas reagiam bem.

Observações:
  • A coordenadora afirmou que eu não deveria ter tomado a decisão desse projeto sozinha, que eu deveria ter comunicado (mas ela sabia do projeto).
  • Eu disse que estava trabalhando em cima de metodologias ativas e queria partir primeiro dos alunos porque eu não poderia preparar um projeto desse sem saber quem poderia ir (precisaria ter autorização de pais/mães e, além disso, ter uma espécie de pré-seleção, pois a associação não comportava uma quantidade grande de alunos).
  • Sugeri um encontro com a mãe da aluna para uma conversa, mas elas disseram que não era uma boa ideia...

3. A diretora muda de assunto...

- E essa história de “IDEOLOGIA DE GÊNERO”? Você chegou numa sala de aula perguntando a uma aluna se ela gostava de menino ou de menina! A mãe disse que a menina ficou constrangida, mas não quis vir à escola e deixou passar. Isso ocorreu no 1º Trimestre!

EU: Em que contexto isso foi dito? Primeiro eu gostaria de reforçar aqui que eu não acredito em “ideologia de gênero”. O que eu prego nas minhas aulas é IGUALDADE DE GÊNERO, um dos objetivos da ONU e que faz parte do conteúdo de História! No 1º Trimestre a escola realizou uma palestra sobre Sexualidade (cujos convidadxs eram o padre da escola, a psicóloga do Ensino Médio e alguns profissionais de enfermagem de uma faculdade particular) para alunos e alunas a partir do 8º ano (até a 3ª série - EM). Eu não assisti à palestra, pois nesse dia não estava me sentindo bem e fiquei na coordenação do Ensino Médio esperando a hora de entrar em sala. Quando termina a aula, entro em uma turma de 8º ano e encontro uma sala inteira preocupada e alguns inclusive chorando. Vieram me dizer que foi dito nessa palestra que a HOMOSSEXUALIDADE ERA UM DISTÚRBIO e que, normalmente, os homossexuais eram pessoas que tinham sofrido algum tipo de abuso quando crianças. Falei que não poderia admitir aquilo e, ao chegar em casa, converso pelas redes sociais com uma mãe dessa turma que me confirma o fato. Imediatamente preparei uma sensibilização, com falas do próprio papa, de alguns presbíteros estadunidenses, legislação, informação da OMS, etc. e finalizo com um vídeo de uma campanha (“Love Has No Labels”). Foi um momento rico e lindo, houve muita emoção, choro e afeto. As crianças saíram de sala afirmando que a minha aula tinha sido melhor e muito mais importante que a palestra.
  • Dessa vez a coordenadora concordou!Mas, para a minha surpresa, a psicóloga afirma:

- Mas a Homossexualidade É SIM UM DISTÚRBIO! É um problema hormonal, ...,

** EU a interrompo imediatamente e pergunto onde foi que ela encontrou essas afirmações... Onde ela havia pesquisado?!?!? Afinal, ouvir isso de uma psicóloga era inacreditável! E ela continuou...

- ..., inclusive existem pesquisas muito recentes sobre isso...

**EU: “E por que não são divulgadas?”

- Porque os pesquisadores estão muito tímidos para divulgar, diante do atual momento...

**EU: E pode ser dito para crianças de 8º ano? Tudo o que eu falo e faço em sala está baseado no conteúdo do livro, do sistema que a escola adotou. Tudo é uma construção. Se eu não posso falar essas coisas, é melhor então rasgarmos o livro de História...
Inclusive, na Semana Pedagógica no início do ano nós nos reunimos para estudarmos a Constituinte da Congregação (uma espécie de “regimento interno da Congregação”. Eu estava com essa Constituinte em mãos e mostrei na hora). Aprendemos, como está exposto aqui (os textos estavam grifados), que deveríamos ter o olhar de Jesus para o outro, desprovido de quaisquer preconceitos. Olhem aqui (e leio alguns trechos).

A diretora olha para mim e diz: “VOCÊ SABE O QUE VOCÊ FEZ!

- Mas eu não fiz nada ! Respondo. E continuo: “Eu tento construir um diálogo baseado em argumentações, em críticas, para que os alunos saibam lidar com as diferenças”.

A diretora enfatiza: “VOCÊ SABE O QUE VOCÊ FEZ!” E continua: “Você é líder, é formadora de opinião. Olhe! Os alunos ouvem muito você! Você exerce muita influência com seu discurso”.

Eu: Mas eles querem saber minha opinião e eu não escondo. Falo, mas enfatizo que é a opinião de Gabriela, pessoa e não professora. Eu respeito os meus alunos, respeito suas opiniões, dou voz e vez a eles, coisa que em casa eles não têm.

*Lembro ainda que cheguei a falar mais uma vez da Constituinte e sugeri que todos dessem mais atenção a ela. A Irmã olhou para mim e disse: “Você deveria ler isso mais uma vez. Você sabe o que fez!

  • Não lembro mais o que foi dito nesse dia. Só sei que eu não tive mais condições de dar as 3 aulas que deveria e pedi para ir embora. A diretora falou que eu deveria me redimir com a aluna e que iria tentar fazê-la voltar para a escola.

Quinta-feira, 03 de outubro de 2018: Cheguei para a primeira aula no Ensino Médio. Os alunos me viram na escola. Lembro que tinha horário vago e me levaram para conversar com a coordenadora (fundamental II, anos finais) e com a psicóloga (Ensino Médio).
A psicóloga pergunta: “Como você se sente hoje?”
Respondo: “Injustiçada! Minha consciência está tranquila. Sei que não fiz nada”
A psicóloga perguntou se eu estaria em condições de conversar com a aluna e eu, claro, disse que sim, até para entender o que foi dito.

Algumas coisas ainda são ditas e, no final da conversa, ela pergunta se pode me dar um abraço e eu digo que NÃO, pois não me sentia à vontade.

Fiquei com a coordenadora enquanto a psicóloga ia buscar a aluna. Enquanto isso, digo à coordenadora que já tinha entendido tudo. Que estava certa de que tudo isso era pretexto para uma demissão, pois a Irmã não gostava de mim e que isso vinha desde quando esse contexto político começou a “interferir” (acalorar) nas aulas e, como eu nunca escondi minha posição, isso a desagradava. Um detalhe importante é que esse comportamento da diretora não era só comigo. Ela é fechada, ranzinza, seca. Antipática, para resumir (importante dizer que isso não é só a minha opinião, mas a de muitos pais, mães e funcionários).

*Meus questionamentos (sobretudo no aspecto político) nas redes sociais incomodava a direção da escola porque sempre gerava discursos entre os adolescentes, que provavelmente levantavam discussões em casa com os pais. A Irmã chegou a dizer que eu não deveria ter alunos nas minhas redes e não deveria fornecer meu número para os alunos que faziam ONHB (Olimpíada Nacional em História do Brasil), pois eu estava muito aberta e isso era perigoso.

  • Conversando com a coordenadora, que aparentemente se mostrou sensibilizada, comecei a chorar e ela então disse que eu não tinha condições de conversar com a aluna naquele estado. Pediu para eu ir para casa. Era hora do intervalo e muitos alunos me viram chorando e saindo da escola.

Sexta-feira, 04 de outubro de 2018: Dei duas aulas antes do intervalo, uma na 1ª série do Ensino Médio e outra numa turma de 8º ano. Na hora do intervalo, a coordenadora do Ensino Médio, me chamou para dizer que a diretora queria falar novamente comigo, sobre um novo caso. Fiquei surpresa, pois estava certa de que tudo estava devidamente esclarecido. Comecei então a ficar apreensiva e ao mesmo tempo impaciente, imaginando o que poderia ser, tentando entender o que estava acontecendo já que trabalhava ali há 11 anos e nunca havia sido tão chamada à atenção. A coordenadora então perguntou se eu queria que ela me acompanhasse e eu consenti, já que antes de ser coordenadora, ela era professora de inglês e sempre trabalhamos lado a lado – assim eu me sentia mais segura por acreditar que a mesma era uma pessoa amiga.
Fomos para a sala da psicóloga (Ensino Médio) que estava desocupada no momento. Sentamos eu, a coordenadora do Ensino Médio e a diretora para mais uma rajada de questionamentos. A diretora então começa...
- Ontem houve um evento aqui na escola e algumas mães* vieram me procurar para, mais uma vez, falar de você! O tema agora é ABORTO! Disseram que você entra na sala falando que o corpo é seu e você faz o que quiser...

*Soube depois que uma única mãe tocou nesse assunto...

Indago: Mas foi em que contexto? Cheguei do nada e disse isso? Quando isso ocorreu?

Diretora: Disseram que você defende o aborto!

Eu: Há uma diferença muito grande entre a descriminalização do aborto e ser a favor de abortar! Não sou a favor de que uma mulher aborte. Já passei por um processo de curetagem e foi muito mais doloroso do que ter a minha filha. Eu sou a favor de que a mulher seja ouvida, de que seja assistida e devidamente protegida! Afinal, isso também faz parte do nosso conteúdo! Discutimos o papel da mulher todos os dias!

Diretora: Mas nós somos uma escola EVANGELIZADORA! Você NÃO PODE defender isso!

Coordenadora: É, Gabi! Você não pode falar essas coisas. Nós não podemos defender que alguém aborte. Assim estamos fazendo diferente do que pregamos, prezamos pela vida... (sic)

Nesse momento a psicóloga (Ensino Médio) chega para participar da conversa. Agora o assunto muda... Reforma Agrária! Dessa vez não lembro quem começou, mas falaram que eu havia “constrangido” um aluno em sala por ele ter dito que era contra a Reforma Agrária e eu rebati dizendo que era porque ele pensava assim porque tinha onde morar (aluno do 8º ano). Diante disso, a diretora começa a relatar sua experiência com acampamento do MST ...

- Lá onde morei, eu via como era, eu sei como são esses acampamentos. Você defende que essas pessoas façam protestos, mas (e estou dizendo isso porque eu TRABALHEI em assentamentos, eu vi!) essas pessoas chamam a atenção para tomar uma terra e, quando conseguem, vendem aquele pedaço conquistado para depois fazer de novo em outro lugar. Digo isso porque EU VI!

E mais uma vez eu reforço...

- Então como eu disse, é melhor rasgarmos os livros de História. É quase impossível falar de Reforma Agrária e não citar a luta do MST! – digo, chorando.

Depois a psicóloga começa a falar do meu temperamento. Diz que os alunos reclamam que eu chego estressada e que eles chegam a sentir medo de mim, de tirar dúvidas comigo, de discordar de mim nas aulas, que os alunos relatam isso para ela, enfim... A diretora reforça esse posicionamento da psicóloga.

Falaram também que os alunos percebem quando algo não está bem, que eu era a única professora que praticamente dizia tudo o que estava se passando, que eu não deveria dar satisfação para aluno nenhum, que não deveria dizer o que estava acontecendo ali. Ainda reforçaram que eu não deveria ter alunos em redes sociais, ou fizesse uma rede social só para adicionar alunos e não expor minhas opiniões pessoais. E nem tão pouco compartilhar meu número de WhatsApp. Falei que o WhatsApp é compartilhado com os grupos que participam da ONHB, pois a escola só oferece um dia da semana à tarde para o encontro com os grupos para discutir as questões e, como era insuficiente, o grupo de WhatsApp era uma forma de estar mais perto, inclusive para realizar videoconferência. Disseram que não era para eu fazer isso.

Nesse momento, a coordenadora do Ensino Médio olha para mim, põe a mão no meu joelho e começa a fazer inúmeras perguntas (pessoais, inclusive), na frente da diretora e da psicóloga:

- Você está na terapia? Ela está num programa do Plano de Saúde, Irmã (a diretora é uma religiosa)...

A diretora diz: “Que bom! Todos precisamos de terapia. Até eu”.

E a coordenadora continua:

- Está tendo o acompanhamento com o psiquiatra?

Respondo que sim.
- Está fazendo o tratamento direitinho?

Respondo que sim.

- Está tomando a medicação?

Respondo que sim.

- Está mesmo ou está se autossabotando?

Respondo: “Estou sim! Tomo 20 mg de Oxalato de Escitalopram todos os dias. Faço tratamento para depressão há mais de 1 ano”.

  • Não lembro bem como essa conversa terminou. Fiquei arrasada pelo que foi dito. Fiquei muito angustiada, chorei e saí da escola direto para o consultório do meu psiquiatra para relatar tudo o que tinha acontecido. Ele me deu 15 dias de atestado por eu não ter condições de trabalhar durante esses dias. Ele chegou a dizer que era bom que pelo menos eu ficasse sem trabalhar até passarem as eleições, pois o momento estava muito ruim para os professores.
  • Durante o final de semana e na segunda-feira comecei a receber mensagens de whatsapp das coordenadoras me cobrando avaliações e outros assuntos, mas não para saber como eu estava. Fui orientada pelo médico a não atender a nenhuma ligação, nem finalizar a elaboração de uma avaliação. Que eu deixasse a escola resolver por ela mesma.
  • Na semana seguinte passei na escola para deixar o atestado e não me senti bem. Fiquei angustiada e com ânsia de vômito. Pedi para que o inspetor protocolasse na minha agenda o recebimento do atestado e cuidei em sair logo dali.
  • A partir de então, inúmeras mensagens de pais, mães e de alguns colegas de trabalho começaram a chegar. Ao mesmo tempo, a aluna que havia começado todo esse imbróglio por causa da visita à Associação Abrace Esperança (cannabis para fins medicinais), passou a ser “rejeitada” pela turma, ou seja, sofrer o que chamam Bullying. Recebi fotos de uma das turmas de 8º ano fazendo um “protesto” contra o meu afastamento, onde colocaram os livros no chão e escreveram alguns recadinhos. Fizeram inclusive um movimento numa rede social.
Segunda-feira, 29 de outubro: Retorno ao psiquiatra e ele estende por mais 15 dias o meu atestado. Agora a angústia se transformava em medo. Eu não tinha condições de encarar aquela escola.

  • Durante esse período eu procurei estar perto de pessoas que pensassem como eu. Estava participando de um grupo de percussão formado só por mulheres chamado As Calungas que tem o intuito não só de batucar, mas também de “empoderar”. Senti-me bastante acolhida e passava a semana esperando o domingo para ir às oficinas. Fui melhorando, mas ainda não me sentia pronta para voltar para aquela escola. Quando pensava em encarar a diretora e as coordenadoras, o coração apertava. Eu estava com saudades dos alunos e da sala de aula, mas estava com medo da escola.
  • Falei sobre isso com o psiquiatra que, mais uma vez, adiou o meu retorno. Era fim de trimestre e achamos melhor que eu voltasse quando tudo estivesse mais calmo (com relação ao acúmulo de trabalho, conteúdo, elaboração de avaliações e outros). Assim, precisei fazer perícia no INSS para saber se eu estava apta ou não a voltar. O médico que me atendeu concedeu atestado até o dia 03 de dezembro.

Foi aí que eu comecei a contar os dias para o meu retorno. Meus alunos carinhosamente me mandavam mensagens dizendo o quanto sentiam minha falta. Alguns até quiseram me encontrar, assim como alguns pais, mães e professores. Recebi algumas colegas aqui em casa, das quais apenas 2 delas mantém contato comigo até hoje. Para as demais, deixei de existir!

Quinta-feira, 29 de novembro de 2018: fui à consulta com o psiquiatra e estava bastante animada e ansiosa para voltar ao trabalho. Disse estar preparada e que não aguentava mais ficar sem dar aulas. Como o atestado do INSS só terminava na segunda-feira, então eu só voltaria mesmo na terça-feira 04 de dezembro. Saí de lá tão feliz que resolvi fazer uma surpresa na escola. Alguns alunos estavam por lá e fizeram uma algazarra. Correram pela escola ao meu encontro, me abraçaram, beijaram e perguntaram se eu iria dar as orientações para a prova final. Foi um barulho e uma correria muito grande e isso chamou atenção. A coordenadora do Ensino Médio mandou que eu fosse ao seu encontro (em sua sala) e fechou todas as portas, alegando que era para conter a correria dos alunos, que faziam plantão na frente da coordenação esperando a minha saída. Ela perguntou como eu estava, como estava minha mãe, minha filha... Enfim... Respondi que estava ansiosa para entrar em sala, que queria logo voltar a dar aulas, pois estava sentindo falta. Ela então começa a ligar para a responsável pelo RH. Liga insistentemente, mas não consegue retorno. Achei estranha essa atitude dela e questionei, mas ela não deu uma resposta segura. Saí de lá com uma sensação péssima e cheguei a comentar com uma colega professora.

Segunda-feira, 03 de dezembro de 2018: recebo uma ligação da responsável pelo RH informando que eu deveria fazer um exame médico antes de ir para a escola no dia seguinte. Ela havia recebido o último atestado e se mostrou bastante solidária, aparentemente parecia estar feliz com o meu retorno. Disse que entendia minha situação e estava comigo (...).

Terça-feira, 04 de dezembro de 2018: Fiz o exame e logo em seguida fui para a escola. Assim que cheguei fui direto ao RH entregar, mas não pude entrar, pois a responsável pelo RH estava em reunião com a diretora (detalhe que nós tínhamos nos falado pouco tempo antes para ela enviar uma parte da documentação que faltava e ela sabia que eu estava a caminho da escola). Muitos alunos estavam me esperando com rosas, carinho e abraços longos e felizes. A coordenadora do Ensino Fundamental Nível II veio muito indiferente perguntar se poderia me abraçar. Tudo aparentemente bem e ao mesmo tempo estranho, afinal, eu não ia dar aula? Onde estavam as turmas? Logo em seguida a responsável pelo RH veio ao meu encontro, muito feliz, meu abraçou, me pegou pelo braço e me levou à sala do RH para registrar a minha volta com a documentação do exame.
Fui para a sala dos professores do Ensino Médio e fiquei por lá conversando com alguns colegas, mas NADA DE TRABALHO. NADA DE AULA. Voltei para casa meio frustrada e desconfiada.

Quarta-feira, 05 de dezembro de 2018: Chego no horário, extremamente feliz, vou para a coordenação do Fundamental II e nada de trabalho, nem de aula, nem de orientações. Subo para a coordenação do Ensino Médio, encontro alguns colegas e fico conversando. Nada de trabalho, nada de aula, nada de orientações. Na hora do intervalo a psicóloga entra na sala de braços abertos para me abraçar e me dar as boas-vindas, com um largo sorriso no rosto. Mais tarde, a diretora chega e me abraça e pergunta se eu estou bem. Respondo que sim, ela me dá as boas-vindas e então eu desço para o Ensino Fundamental. Encontro alguns alunos e eles comentam sobre o período que fiquei afastada, falam sobre o caso, sobre as satisfações que a coordenação passava e tudo o mais. Tempo depois recebo a informação de que o RH estava me chamando. Na antessala do RH, a psicóloga do Ensino Médio estava sentada, me vendo chegar, só para isso, como se estivesse me intimidando. Entro para falar com a resp. pelo RH sem entender muito o que iria acontecer, mas ao mesmo tempo sabendo do desfecho. Ela olha para mim e diz:

- Gabi! Ontem você veio aqui deixar o seu exame. Hoje eu lhe entrego a sua rescisão.

Olhei para ela, firme e forte, segurei o choro e disse que não esperava tal atitude de uma instituição pela qual me dediquei exclusivamente por 11 anos.
Ela me olhou e disse: “você vestiu a camisa. Eu sei disso e reconheço a profissional que você é. Meus filhos estudaram com você e eu acompanhei de perto a sua dedicação”.

Quando eu saí do RH, a psicóloga continuava na mesma cadeira, sentada, só me esperando passar e dessa vez com o olhar de satisfação, de vitória.

Um adendo:

  • Continuo sem emprego. Logo que souberam da minha demissão, alguns amigos se prontificaram a ajudar e enviei meu currículo para inúmeras escolas. Depois a maioria dos “amigos” sumiram.
  • Na primeira entrevista numa delas, quase uma semana após minha demissão, o coordenador, a princípio muito simpático e aberto, olhou para mim e disse: “Eu soube que você andou enfrentando a diretora da escola?!”
  • De lá para cá, só promessas. Até o sistema de ensino adotado pela escola e que eu sou colaboradora (sem vínculo), não me envio mais nenhuma solicitação de trabalho. E as poucas entrevistas que fiz para vagas na empresa, não foram bem-sucedidas.

Estou sem perspectiva, sem foco. Não consigo estudar direito, há uma confusão enorme na minha cabeça. Não sei se mudo de área, se faço cursos técnicos, se viro profissional autônoma. Eu amo ensinar, eu amo História, mas eu não sei se consigo mais... Estou com medo.

João Pessoa, 01 de agosto de 2019.