HISTORIADORES NORTE-AMERICANOS APOIAM A REGULAMENTAÇÃO DA PROF DE HISTORIADOR

23 de outubro de 2013.

 

Ao Congresso Nacional Brasileiro

A quem possa interessar,

 

Na qualidade de experientes historiadores norte-americanos especialistas na História do Brasil – e vale ressaltar que entre nós se encontra uma ex-Presidente da Associação Americana de História – vimos expressar nosso apoio ao projeto para regulamentar a profissão de historiador no Brasil. Nós o fazemos em resposta a uma carta recente dos membros do comitê executivo da AHA – nenhum deles especialista na História do Brasil ou da América Latina – que levantaram algumas preocupações em relação à lei. Em especial, eles observaram que pessoas sem treinamento formal na área podem contribuir para o conhecimento histórico, e por isso expressaram a opinião que seria inapropriado restringir o acesso a posições profissionais aos que têm diplomas em História.

Nós concordamos – assim como nossos colegas brasileiros - que muitos não historiadores contribuíram e vão continuar contribuindo para o conhecimento histórico, e o mesmo ocorre nas ciências sociais e nas humanidades. Não é preciso necessariamente ser um sociólogo para falar sobre processos sociais ou um cientista político para fazer reflexões sobre o comportamento politico. De fato, muitas pessoas sem treinamento médico chegam a conclusões válidas sobre as causas de doenças. Uma sociedade aberta oferece muitos caminhos para que qualquer indivíduo expresse e publique suas opiniões, que podem ser incorporadas por historiadores e outros acadêmicos. Ao mesmo tempo, acreditamos enfaticamente que as inovações e insights mais importantes são produzidos por aqueles que têm treinamento profissional e trabalham junto a uma comunidade de profissionais treinados.

 

Acreditamos que a lei em discussão vai proteger e promover a profissão de historiador, e que, ao fazê-lo, ela vai fortalecer a reflexão sobre a história e contribuir para ampliar a difusão desse conhecimento em um momento que a educação superior no Brasil está se expandindo significativamente. Gostaríamos de destacar, sobretudo, que as contribuições dos não-historiadores não fariam sentido sem a existência de uma historiografia profissional que constroe o campo de conhecimento histórico e estabelece padrões pelos quais podemos aferir a validade das diferentes interpretações históricas. Assim, aqueles interessados em aprofundar o pensamento e a pesquisa histórica e garantir sua contribuição à sociedade deveriam apoiar, primeiro e acima de tudo, medidas dedicadas a promover e proteger a profissão.

 

Nos parece que a opinião de nossos colegas do comitê executivo da AHA deve-se à sua pouca familiaridade com o mundo acadêmico brasileiro. Por isso eles enfatizaram o que percebem como “exclusões” implicadas no projeto de lei. Na verdade, exigências semelhantes existem nos meios acadêmicos dos Estados Unidos, onde a maioria dos cargos para docência superior exige um doutorado em História. Além disso, historiadores norte-americanos têm protestado reiteradamente quando governos estaduais permitem que graduados em educação – e não em história - lecionem esta disciplina no nível secundário.

 

Em outras palavras, os historiadores norte-americanos já profissionalizaram sua disciplina e têm dado preferência às pessoas com treinamento formal na área. Raramente os departamentos de história nos Estados Unidos contratam professores de outra área, e na grande maioria deles não há sequer um docente com doutorado em outra disciplina. Ou seja, se não historiadores contribuem para compor o campo da História na academia norte-americana, normalmente eles não ocupam posições formais nas universidades, e o comitê executivo da AHA nunca expressou opinião contrária a tais práticas.

 

Do ponto de vista privilegiado de quem tem maior familiaridade com o mundo acadêmico brasileiro, nós cumprimentamos os envolvidos na formulação dessa legislação por terem encontrado um meio de incorporar os acadêmicos não formados em história em certas posições profissionais. Acreditamos que o projeto de lei mantém importantes garantias ao mesmo tempo em que confere prioridade para os que têm formação avançada em história. Essa flexibilidade é um aspecto importante da proposta de lei que vai fortalecer e valorizar o estudo da história.

 

O projeto de lei reconhece que a história é uma disciplina que tem parâmetros, literatura, metodologias e práticas específicas. Aqueles que se engajam nesse campo de conhecimento normalmente são submetidos a programas de estudo, de pesquisa e de escrita bastante exigentes. Por isso, é razoável que os historiadores, do mesmo modo que colegas de outras disciplinas acadêmicas, procurem obter reconhecimento legal do seu rigoroso processo de formação. Não obstante as estruturas institucionais dos Estados Unidos não permitam a existência de leis desse tipo aqui, nós ressaltamos que há normas acadêmicas particulares ao país projetadas para alcançar os mesmos objetivos: garantir clara prioridade às pessoas com formação e diplomas em história.

 

Igualmente, gostaríamos de destacar que o mundo acadêmico brasileiro é extremamente democrático e aberto, com a presença de entidades representativas profissionais que se engajam ativamente nos debates relativos à situação legal das suas disciplinas. Isso é particularmente verdadeiro no caso dos historiadores. Os membros e os líderes da ANPUH discutiram amplamente e deliberaram sobre a legislação em foco, e somente então se posicionaram em relação ao tema, propondo emendas para aperfeiçoar a proposta de lei. Nós respeitamos os processos de decisão dos nossos colegas brasileiros e temos muita confiança que foram considerados todos os aspectos intelectuais e profissionais que o tema envolve.

 

Portanto, gostaríamos de manifestar nosso apoio à iniciativa patrocinada pela ANPUH que vai contribuir para elevar ainda mais os padrões de atuação e o reconhecimento público dos dinâmicos historiadores brasileiros.

 

Atenciosamente,

 

Barbara Weinstein, Silver Professor and Chair of History, New York University, and 2007 President, American Historical Association

 

James N. Green, Professor of Brazilian History and Culture, Brown University, Former President of the Brazilian Studies Association and the New England Council on Latin American Studies

 

Jeffrey Lesser, Samuel Candler Dobbs Professor and Chair of History, Emory University, and 2008 President, Conference on Latin American History

 

John French, Professor of History and African and African American Studies, Duke University, former Treasurer of the interdisciplinary Latin American Studies Association

 

Marshall Eakin, Professor of History, Vanderbilt University, and Former Executive Director, Brazilian Studies Association (BRASA)