AUDIÊNCIA DA BNCC EM FLORIANÓPOLIS

Prezados/as, gostaríamos de iniciar a nossa fala perguntando ao público presente: quem de vocês conhece a realidade da escola pública no Brasil? Quem sabe das precariedades enfrentadas diariamente por estudantes e professoras? Vcs que conhecem, podem nos dar exemplos, podem dizer se o cenário que conhecem é igual ou diferente ao cenário enfrentado no Acre? Em Pernambuco? No Rio Grande do Sul? Os professores ganham o mesmo salário? Eles têm acesso a formação continuada? Os estudantes têm acesso a material didático? A merenda escolar? Tem espaço físico adequado? Tem acompanhamento para enfrentar e superar dificuldades de aprendizagem?


A verdade meus amigos é que o Brasil é um país rico, diverso, contraditório e desigual. E nesse cenário, é tão ilusório quanto inverdade vender a ideia que um documento por si só levará aos estudantes de diferentes lugares do Brasil o direito ao que a BNCC define como “conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica”. É ficcional o propósito que nos traz aqui e é a partir desse ponto de vista que precisamos apontar a gravidade desse empreendimento que ao final, apenas nos aprisionará num texto onde a educação é tratada como uma “habilidade” a ser construída mecanicamente.


Nossa fala é de reflexão e critica. Desejamos evidenciar que há muito mais a ser feito em relação a educação em nosso país. O texto apresentado e discutido hoje aqui apresenta muitas vezes as palavras cidadania, respeito, individualidade. Diz-se, em meio a uma passagem, que se tem em vista “a construção de uma sociedade mais justa democrática e inclusiva? Mas como tais objetivos serão atingidos se paralelo a este documento seguem (ou melhor, nos perseguem) projetos de lei que tentam negar a fala crítica dos professores? Como ser inclusivo, justo e democrático diante do massacre diário que as populações marginalizadas enfrentam desde sempre em nossa história?


Outra questão: o texto da BNCC aposta e afirma garantir a formação integral aos estudantes no Ensino Médio. Para tanto, diz-se que os jovens serão acolhidos em suas capacidades, necessidades e interesses. Esse esforço, ainda de acordo com o documento vem no sentido de superar “o desempenho insuficiente dos alunos” que aliado a organização curricular com componentes em excesso e a abordagem pedagógica distante da cultura juvenil fazem do Ensino Médio um “gargalo na garantia do direito a educação”. Permitam-nos discordar muito dessas colocações pois os fatores apresentados como “problemas” estão soltos e levianamente apresentados. Falar de insucesso/fracasso escolar nos tomaria o dia assim, fica apenas a provocação: o Estado Brasileiro tem investido adequadamente nesses jovens? O documento em questão vai garantir esse investimento?


Finalmente, a questão dos componentes curriculares. A questão problema é o seu excesso, então aposta-se numa “compactação” como forma de resolver a questão. Falando da ética como elemento fundador, promete-se no texto o respeito aos direitos humanos, a interculturalidade e o combate aos preconceitos. Como tais elementos serão garantidos se não se anuncia nem mesmo a necessidade de se falar de alguns deles?


Como professoras de História vemos com muita preocupação a maneira sistemática como competências e habilidades são descritas no texto. O processo descritivo tira das disciplinas a suas especificidades e suas potencialidades. E isso é um equívoco. É importante lembrar que o trabalho interdisciplinar, como o próprio nome anuncia, apenas existe a partir da contribuição consistente de cada campo. De outro modo, longe de haver uma integração curricular teremos apenas um superficial “amontoado disciplinar”.


Além do mais, a aprovação de uma proposta que transforma o estudo de disciplinas como a História, a Geografia, a Filosofia (entre outras) em itinerários opcionais, cuja oferta nas escolas e sistemas de ensino não é nem mesmo obrigatória, revela a ideia nefasta de uma formação que visa exclusivamente o mercado de trabalho e que estará submetida a uma questão de classe. A educação e o acesso ao conhecimento, às mais plurais formas de conhecimento, conformam aquilo que, por séculos, tentamos definir como humanidade.


É impossível, senhoras e senhores, construir uma sociedade igualitária sob a égide da desigualdade. E é isso, infelizmente, que o atual documento nos traz.

Professoras Nucia Oliveira e Caroline J. Cubas
Pela Seção Santa Catarina da Associação Nacional de História