Qual o papel do ensino de História em tempos de covid-19?

23 Mar 2020 0 comment

Qual o papel do ensino de História em tempos de covid-19?

 Marcella Albaine – professora e pesquisadora do Ensino de História

 

Falo em nome do país. Como professora, talvez quisesse falar em nome do mundo. O texto de hoje, assumidamente, possui um tom de pesar, pois a pandemia de coronavírus tem provocado muitas mortes, em diferentes localidades. Os números são alarmantes; as previsões, baseadas em dados, péssimas. 

O mundo se vê obrigado a parar. Quem pode se dar a esse luxo? A regra de ficar em casa não funciona para todos: há um grande número de sujeitos que precisam estar na linha de frente. Profissionais da saúde dedicando seu tempo e sua vida cuidando dos que estão em hospitais lotados. A pesquisa, tão sucateada em nosso país, vem sendo fonte de esperança. Dizem que ainda não estamos no pior momento da crise e seus efeitos já podem ser sentidos com intensidade. Valem algumas análises, vamos a elas. 

A orientação de lavagem da mão e uso do álcool gel, tampouco se direciona a todos: tenho pensado nos tantos corações que se encontram em situação de rua. E os moradores de comunidades, de zonas sem infraestrutura de saneamento básico? E aqueles que pagam por água encanada e que, de forma inadmissível, a tiveram contaminada em suas casas? 

É difícil colocar em palavras um momento tão presente, sentido por meio dos noticiários de cada dia que atualizam o número de mortes. Inicialmente a China, hoje os números da Itália são de chocar. Não quero reforçar perspectivas hierárquicas, mas outra pergunta que tenho me feito é: o que sabemos da situação do coronavírus no continente africano? As relações de poder se manifestam nesta crise que, muito mais do que econômica, é uma crise moral. O texto de Djamila Ribeiro sobre a doméstica que faleceu cuidando da patroa vinda da Itália é emblemático para pensar sobre esse ponto. 

Humanidade. Em meio ao caos, aos queixumes de tédio de muitas pessoas que não sabem como olhar para si, que pouco se escutam, que pouco param nesse mundo acelerado de cobranças e excessos, existem também manifestações solidárias. É um convite irrecusável da vida à mudança de hábito. Nossa sociedade que menospreza tanto os idosos, reconhece que eles são a parte mais vulnerável. Recados em elevadores de pessoas se oferecendo para fazer compras para os senhores e senhoras que necessitarem. É isso. Não precisaríamos desenhar o pior dos cenários para fazer valer aquilo que deveria ser a regra número da História: a empatia, o exercício da cidadania. 

Ainda queria falar sobre a exigência que tem sido endereçada aos profissionais das mais diversas áreas em relação ao uso da tecnologia digital para o trabalho em casa. Cito outro texto, agora da professora Alessandra Nicodemos: "como garantir, em um país desigual como o nosso, acesso democrático aos dados e instrumentos/ferramentas da cultura digital em contexto de educação"? Pensemos que mais do que o entretenimento com as lives do Instagram ou o consumo das séries da Netflix, precisamos de efetividade para assumir e combater a exclusão digital.

O que temos pela frente é luta. Tudo está intensificado: atitudes solidárias e atitudes egoístas caminham lado a lado. Mais do que nunca defendo a importância do ensino de História como arma das transformações sociais que urgem. Menos notícias falsa, mais ciência, mais pesquisa, mais investimento no SUS, mais valorização profissional. Um país comandado por uma presidência alheia e perversa precisa do pensamento crítico e humano. 

Referências:

NICODEMOS, Alessandra. ‘Entretenimento on-line’ não substitui a escola. Esquerda Diário. Disponível em: http://esquerdadiario.com.br/Entretenimento-on-line-nao-substitui-a-escola Acesso: em 23 de mar. 2020.

RIBEIRO, Djamila. Doméstica idosa que morreu no Rio cuidava da patroa contagiada pelo coronavírus. Folha de São Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/djamila-ribeiro/2020/03/domestica-idosa-que-morreu-no-rio-cuidava-da-patroa-contagiada-pelo-coronavirus.shtml Acesso: em 23 de mar. 2020.

CONTATO RJ

 LOGO ANPUH RETANGULAR RJ
T: (21) 2332-1430 / 99618-0813