NOTA TÉCNICA DA ANPUH SOBRE A PROPOSTA DO MEC PARA O ENSINO MÉDIO.

À luz dos recentes debates sobre as reformas educacionais em curso e dos documentos previamente elaborados e amplamente disseminados por esta Associação, a ANPUH-Brasil coloca à consideração reflexões que se reputam pertinentes para os debates e futuras deliberações a respeito do documento veiculado pelo Ministério da Educação, referente à Consulta Pública, consoante à Portaria Ministerial 399, datada de 08 de março de 2023.

1. Quanto à distribuição da carga horária, reconhecemos avanços, porém sustentamos a manutenção das 2.400 horas destinadas à Formação Geral Básica (FGB). Mesmo no caso do EM integrado ao técnico, quando o documento do MEC indica a sua redução para 2.200 horas, que seja dada a formação básica a todos, sem distinção, especialmente sem rebaixamento da formação dedicada preferencialmente à juventude trabalhadora.

2. Reconhecemos como relevante a proposta de ampliação gradual do ensino em período integral, desde que sejam assegurados investimentos condizentes com aprimoramento da infraestrutura, capacitação docente e implementação de estímulos à permanência dos alunos, sobretudo para aqueles em situação de vulnerabilidade. A finalidade é garantir uma educação de excelência que possa efetivamente combater as disparidades sociais.

3. Em relação à formação de professores, reiteramos a nossa defesa pela revogação imediata da Resolução 02/2019, que versa sobre a BNC-formação.

4. Sobre a organização curricular, temos as seguintes considerações:

4.1. No que tange às características da organização curricular da disciplina de História, a ANPUH preconiza que seja considerado o documento intitulado "Outros Futuros Possíveis: proposição para o ensino de História no Ensino Médio". Neste documento, são apresentados pressupostos e princípios que direcionam o ensino de História, dos quais destacamos:

- A preservação da especificidade da disciplina escolar, ancorada na perspectiva temporal da História. Isso permite a integração do componente com outras disciplinas, seja em situações em que a história e os temas sociais são fundamentais, ou como uma disciplina auxiliar. Entretanto, para que essa integração ocorra, é imprescindível criar condições favoráveis para os professores desenvolverem tais projetos. Isso engloba:

a) Reconhecimento da singularidade da disciplina escolar de História e da necessidade de contratação de profissionais especializados como elemento fundamental do atendimento ao Direito à Educação;

b) Definição de uma carga horária adequada para as disciplinas que compõem a chamada área de Ciências Humanas, considerando tempos destinados tanto ao ensino de conteúdos específicos de cada disciplina quanto a projetos interdisciplinares;

c) Alocação de tempo escolar para o planejamento e execução de projetos interdisciplinares, devido à sua natureza colaborativa;

d) Disponibilização de recursos financeiros quando o projeto envolver estrutura ou materiais essenciais para sua realização completa.

4.2. Considerando a sua capacidade de auxiliar os estudantes a entenderem historicamente seu presente, por meio da análise contextualizada do passado, identificamos temas e campos temáticos imprescindíveis para o Ensino Médio. Dessa maneira, apresentamos as seguintes propostas de temas que podem servir como base para o desenvolvimento do currículo para essa etapa da educação básica:

a) A reflexão sobre o desenvolvimento da sociedade democrática como resultado de processos históricos, abrangendo a diversidade que a compõe (social, étnico-racial, de gênero, faixa etária, regional) e a relação entre minorias e maiorias no contexto democrático. Necessário também, a abordagem da exclusão histórica de grupos populacionais no Brasil, a estrutura republicana, o papel da Constituição na cidadania, as dinâmicas do trabalho, sua desestruturação e reestruturação, o Estado de Direito, a violência estatal, bem como os direitos humanos e sociais;

b) A globalização como fenômeno global, nacional e local, enfocando a governança global por meio de instituições transnacionais, a emergência de novos centros políticos e econômicos, os impactos das mídias, das empresas de tecnologia e da inteligência artificial na vida contemporânea (trabalho, política, cultura, informação);

c) A abordagem da problemática histórica e ambiental relacionada à terra e sua ocupação, com destaque para sua relevância na sobrevivência de populações e comunidades. Também enfocando as implicações de exclusão e hierarquização social oriundas da propriedade da terra no Brasil, bem como a exploração de recursos e o ambiente, englobando a região amazônica e os povos originários.

4.3. Com o objetivo de situar historicamente a abordagem desses temas, é de suma importância propor elementos metodológicos específicos para incorporação na formulação de políticas e planejamentos. Essa abordagem não deve se limitar à mera reestruturação de conteúdos, mas também à revisão das estratégias. A exploração de temas, documentos em sua diversidade e diferentes linguagens, enraizada em aspectos e estratégias de análise histórica, deve promover o desenvolvimento de saberes sobre a leitura e a escrita críticas de fontes e textos que transcendam as fronteiras do programa curricular. Isso contribui, por um lado, para a colaboração interdisciplinar, e, por outro, para impulsionar a educação contra o negacionismo, o racismo, a lgbtqiapn+fobia e a desconfiança em relação a notícias falsas.

5 Sobre o desempenho profissional no Ensino Médio, especialmente em relação às disciplinas escolares, é essencial que as aulas sejam ministradas por profissionais devidamente habilitados em licenciaturas específicas, excluindo-se a possibilidade de utilização do critério do "notório saber". Isso implica na exigência de formação profissional especializada para o corpo docente, para que possam conduzir projetos norteados pelos fundamentados epistemológicos dos campos disciplinares. Essa medida assegura que nenhum docente ministre conteúdos, tanto nas disciplinas escolares especializadas, quanto em projetos e atividades interdisciplinares, sem a devida formação profissional, seja ela inicial ou continuada, para um tratamento responsável dos conhecimentos específicos e a garantia de atendimento ao Direito à Educação.

6. Toda e qualquer inovação proposta para o Ensino Médio deve ser submetida à apresentação, planejamento e avaliação pelo corpo docente, com alocação de carga horária adequada para isso, e fornecer as condições necessárias em termos de recursos humanos e materiais.

7. Premissas fundamentais:

a) As políticas relacionadas ao Ensino Médio devem considerar a especificidade e diversidade do público que compõe essa etapa educacional. Essa diversidade abrange questões de gênero, étnico-raciais, faixa etária (com foco nas culturas juvenis), classe social e regionalidade. Essa abordagem deve abandonar uma perspectiva centrada apenas no adulto no que diz respeito ao currículo e ao ambiente escolar. O estudante deve ser reconhecido como um sujeito histórico e produtor de conhecimento, não sendo somente um receptor passivo desse conhecimento;

b) É necessário considerar que a escola, em suas diversas manifestações (urbana, rural, quilombola, indígena, técnica, entre outras), é um espaço de valorização para seus estudantes. Essa valorização vai além do desenvolvimento cognitivo, abrangendo também o desenvolvimento afetivo, como a construção de amizades, e a busca por referências. Isso deve ocorrer em um ambiente com relações menos hierárquicas em termos institucionais.

8. Insistimos que, independentemente de arranjos específicos e percursos particulares, seja assegurado o cumprimento integral das leis 10.639/2003 e 11.645/2008 com particular atenção ao papel específico que o componente curricular História cumpre a esse respeito.

9. Em relação à formação técnica e profissional, apresentada como um "percurso de aprofundamento" (antigo "itinerário formativo"), entendemos ser fundamental atentar aos princípios consolidados na concepção do Ensino Médio Integrado (EMI), articulando os conhecimentos básicos aos especificamente técnicos, de modo a superar a dualidade entre formação básica e formação profissional. Assim, entendemos que o EMI oferece a possibilidade de uma abordagem politécnica atenta às dimensões múltiplas da formação humana, tendo as Ciências Humanas, em especial a História, papel de destaque nessa construção. Visamos, assim, um ensino técnico de nível médio voltado à superação da formação restrita ao "mercado de trabalho", buscando, ao contrário, uma formação mais ampla ao "mundo do trabalho", como apregoado pelo EMI. Nesse sentido, a previsão de 20% da carga horária em EaD para os cursos técnicos negligencia a formação ampla e ameaça o papel do ensino de história na Educação Profissional e Tecnológica.

10. Defendemos a inclusão obrigatória do espanhol como disciplina no currículo, sem prejuízo da manutenção do inglês também como disciplina obrigatória.

11. Sugerimos que seja realizada uma consulta ao documento publicado pela ANPUH-Brasil após o Seminário com o título "Outros Futuros Possíveis: proposição para o ensino de História no Ensino Médio" (disponível em: https://anpuh.org.br/index.php/2015-01-20-00-01-55/noticias2/noticias-destaque/item/7278-outros-futuros-possiveis-documento-final).

Sem mais para o momento, subscrevemos.

Ana Maria Veiga
Presidente Diretoria

São Paulo, 14 de agosto de 2023.

Diretoria Biênio 2023-2025

PRESIDENTA: ANA MARIA VEIGA (UFPB)
VICE-PRESIDENTA: RITA DE CÁSSIA MARQUES (UFMG)
SECRETARIA GERAL: FRANCIVALDO ALVES NUNES (UFPA)
PRIMEIRA SECRETARIA: LARA VANESSA DE CASTRO FERREIRA (UNIFAP)
SEGUNDA SECRETARIA: FRANCISCO EGBERTO DE MELO (URCA)
PRIMEIRA TESOURARIA: WAGNER GEMINIANO DOS SANTOS (SME-SJCG/PE e UFOP)
SEGUNDA TESOURARIA: THIAGO FARIA SILVA (IFB)
EDITORA DA REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA - RBH: SÔNIA MENEZES (URCA)
EDITOR DA REVISTA HISTÓRIA HOJE - RHHJ: MARCUS LEONARDO BOMFIM (UFJF

ENTIDADES SUBESCRITORAS:

abeh

ASSOCIAÇÃO BRASILIERA DE ENSINO DE HISTÓRIA – ABEH

sbthh
SOCIEDADE BRASIELIRA DE TEORIA DA HISTÓRIA E HISTÓRIA DA HISTPRIOGRAFIA - SBTHH

 

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