NOTA DE PESAR - PROF. MARCOS SILVA

E fez um mar, se alastrou
E a beleza do lugar, pra se entender
Tem que se achar
Que a vida não é só isso que se vê
É um pouco mais
Que os olhos não conseguem perceber
E as mãos não ousam tocar
E os pés recusam pisar"

Hermínio Bello de Carvalho/Paulinho da Viola

Nos deixou neste domingo, 31/3/2024, aos 73 anos, o professor titular de Metodologia da História na USP, Marcos Antônio Silva. Historiador, professor e artista popular, Marcos iniciou sua formação artística e intelectual no Cineclube do Tirol em Natal, nos anos 70.

Mudou-se para São Paulo, onde realizou sua trajetória acadêmica, tornando-se docente de Metodologia da História na USP na década de 1980. Desde cedo, suas pesquisas foram marcadas pela ousadia em desafiar as fronteiras do conhecimento histórico. Na contramão da ultraespecialização acadêmica, Marcos Silva se destacou e dialogou em diferentes campos da pesquisa histórica, ao longo de seus 32 livros publicados, 56 orientações de doutorado e 30 dissertações de mestrado, formando historiadores/as atuantes em todas as regiões do Brasil.

Tinha nas Artes uma paixão equiparada à História, tanto que fez uma graduação em Artes Plásticas em 1999 e dedicou-se a pesquisas variadas nas artes plásticas, música, quadrinhos, literatura, poesia e tudo que dissesse respeito à criação artística e sua relação com o saber histórico. Escreveu livros e organizou coletâneas sobre a relação cinema-história, com especial atenção à análise dos filmes sobre a ditadura civil-militar e também aos diálogos entre história, cinema e literatura.

Suas pesquisas se debruçam, ainda, sobre a história do Brasil República, com especial destaque ao seu recente livro Ditadura relativa e Negacionismos: Brasil, 1964 (2016, 2018...).

Também ganha lugar em suas pesquisas uma reflexão sobre a tradição do pensamento marxista, em livros como o Dicionário Crítico Nelson Werneck Sodré ou a sua tradução do livro de Jean Chesneaux Devemos fazer tábula rasa do passado?

Marcos também contribuiu de forma expressiva no campo do ensino de história, com inúmeras orientações, livros e também atuações importantes na formulação de propostas curriculares para o ensino de História no Estado de São Paulo (com Déa Fenelon no final dos anos 1980), na Prefeitura de São Paulo e em uma das propostas para a Base Nacional Comum Curricular (2015).

Na ANPUH, junto com Déa Fenelon, participou de importantes debates sobre a participação ativa dos/as professores/as da educação básica na entidade como pesquisadores e não somente como espectadores das discussões. Foi editor da Revista Brasileira de História (RBH) por três gestões (1983-1989) e coordenou inúmeros simpósios temáticos e mesas redondas nos eventos nacionais e regionais da ANPUH.

Marcos também foi coordenador, ao lado de seu companheiro Eli Clemente, do grupo de cultura popular Ô de Casa. O grupo surgiu nos anos 1990, a partir das pesquisas de Marcos e Eli sobre a cultura popular brasileira, a tradição do pastoril natalino e outras expressões populares, tais como a congada, o moçambique e as festas populares em São Paulo e em todo Brasil. Ao longo dos últimos 40 anos, o grupo Ô de Casa se fez presente em inúmeras festas populares no estado de São Paulo (Festa de São Benedito em Aparecida-SP, Festa da Congada de Cotia no 13 de maio, Festas Natalinas em São Luiz do Paraitinga-SP) e também recebeu, em sua sede na Vila Mazzei (Zona Norte de São Paulo), diversos grupos de cultura popular para apresentações durante as festas juninas realizadas pelo grupo nas ruas do bairro. Com um rico repertório, o grupo realizou diversos espetáculos. Durante a pandemia, Marcos coordenou os espetáculos realizados no formato audiovisual, disponíveis no canal do YouTube do grupo. Em uma de suas últimas composições musicais, em parceria com Igor Luis de Oliveira, Marcos compôs:

"Tu sabias, sabiá?
Que meu canto se encerra
Sob a chuva, sob a terra
Porém, frutificará"

Marcos deixa seu companheiro Eli Clemente. A ANPUH-Brasil sublinha o nosso reconhecimento desta trajetória iluminada que formou muitos de nós!

Thiago de Faria e Silva (com a colaboração de amigos, ex-orientandos e companheiros do Ô de Casa).

Algumas publicações de Marcos Silva:

Participação de Marcos Silva no Bate papo sobre o ensino de história(setembro de 2021). Lutas e trajetórias no ensino de história. UFVJM, 2021.

SILVA, MARCOS. Ditadura relativa e Negacionismos: Brasil, 1964 (2016, 2018...). São Paulo: Maria Antonia Edições, 2021.

SILVA, MARCOS. Sessões descontínuas 2 - Lições de História no cinema mundial. São Paulo: Almedina, 2020.

SILVA, MARCOS. Sessões descontínuas 1 - Lições de História no cinema brasileiro. São Paulo: Almedina, 2020.

SILVA, MARCOS. Rir das ditaduras? Os dentes de Henfil (Fradim, 1971/1980). São Paulo: Intermeios/USP-Programa de Pós-Graduação em História Social, 2018.

SILVA, MARCOS. Ditaduras do cinema (Brasil, 1964/1985, 1965/2006). São Paulo: LCTE, 2016.

SILVA, MARCOS (Org.) .História: Que Ensino é esse? Campinas: Papirus, 2013.

SILVA, MARCOS. Rimbaud etc. História e Poesia. São Paulo: Hucitec, 2011.

SILVA, MARCOS (Org.). Dicionário Crítico Nelson Werneck Sodré. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.

SILVA, MARCOS. ; FONSECA, S. G. Ensinar História no século XXI - Em busca do tempo entendido.. Campinas: Papirus, 2007.

SILVA, MARCOS. Dicionário crítico Câmara Cascudo. 1ª. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.

SILVA, MARCOS. História - O Prazer em Ensino e Pesquisa. BRASILIENSE, 1995.

SILVA, MARCOS; SECCO, LINCOLN, BRITES, OLGA (orgs) - Mulheres que interpretam o Brasil.São paulo: Contracorrente, 2024.

SILVA, MARCOS. Contra a chibata: Marinheiros brasileiros 1910. São Paulo, coleção tudo é história vol. 43, BRASILIENSE, 1982.

SILVA, MARCOS. Bom Fim: outros começos in; CRUZ, JOSÉ VIEIRA & BITTENCOURT JUNIOR, ANTONIO. Manoel Bomfim e a América Lartina - a dialética entre o passado e o presente. Aracaju: Editoria Diario oficial, 2010.

SILVA, MARCOS. O povo dos modernistas: o outro era também aqui. in GONÇALVES, JEOSAFÁ. Mosaico de 22 - múltiplas visões de uma semana que não acabou.São Paulo. Ed. desconcertos, 2022.

SILVA, MARCOS. Porque ler estes manés. in. BECHELLI, RICARDO SEQUEIRA. Nacionalismos antiracistas - Manoel Bomfim e Manuel Gonzalez Prada; São Paulo. LCTE, 2009/

SILVA, MARCOS. Caricata República: Zé povo e o Brasil. São Paulo: Marco zero/CNPQ, 1990.

SILVA, MARCOS. Conhecimento Histórico e Vida Privada. Jundiai: Paco editorial, 2024 (no prelo).