LER HISTORIA

Neste número 80 da Ler História, o principal destaque vai naturalmente para o dossier dedicado a Timor-Leste, publicado no preciso momento em que passam 20 anos sobre a independência daquela antiga colónia portuguesa e o seu reconhecimento internacional como estado soberano. Os vários artigos que o compõem discutem, com interpretações e dados novos, o singular processo de autodeterminação deste território do Sudeste Asiático e do Pacífico que, no essencial, se desenrolou entre 1974 e 2002, e que é aqui analisado principalmente nas suas componentes políticas e diplomáticas. O artigo de Rui Graça Feijó (também organizador do dossier) concentra-se nos anos iniciais, 1974-1975, quando a antiga potência colonial abre um processo de descolonização e de negociação com os recém-formados movimentos nacionalistas timorenses, num contexto de forte volatilidade e convulsão política, tanto em Portugal como em Timor. Pedro Emanuel Mendes foca-se no período seguinte, 1976-1985, e no lugar que Timor ocupava na política externa portuguesa, explicando por que razões era uma questão não prioritária. No último dos artigos, o assunto é analisado no plano da política internacional, considerando especialmente o seu tratamento no âmbito da ONU.

Além do dossier, este volume conta ainda com um conjunto bastante diversificado de artigos. Refira-se, nomeadamente, a incursão no domínio da história de arte, pela mão de Joana Cunha Leal, ou os dois artigos sobre história de África. No primeiro deles, Gerhard Seibert discute a origem, se quinhentista ou oitocentista, de uma forma de teatro popular ainda hoje activa em São Tomé e Príncipe – o tchiloli. No outro, Marco Roque de Freitas reavalia um episódio marcante do processo de descolonização de Moçambique – o 7 de Setembro de 1974 – através da análise da “construção sonora” desse movimento insurreccional, no que constitui uma perspectiva de abordagem invulgar e inovadora. Com uma cronologia e uma geografia diferentes, Laurent Vidal e Isabel Chrysostomo revisitam a história das migrações transatlânticas do século XIX a partir da investigação sobre uma companhia parisiense que se especializou no recrutamento e transporte de emigrantes franceses para o Brasil.

3Este artigo é um bom exemplo do interesse crescente que, nas últimas duas décadas, a produção historiográfica tem revelado pelos processos de dimensão transnacional. Neste caso trata-se, como os autores lhe chamam, de uma globalização do mercado de trabalho. Mas três outros artigos agora publicados seguem a mesma linha de preocupações e de abordagem, ainda que aplicada a tópicos completamente diferentes entre si. O trabalho de Ewerton Moura da Silva, no âmbito de uma história da ciência e da medicina, ocupa-se da circulação internacional do conhecimento médico no princípio do século XX. Raquel Sánchez estuda o movimento pacifista transnacional que, pela mesma época, mobilizou uma parte da aristocracia europeia contra a prática dos duelos. E Gonçalo Gonçalves analisa a internacionalização das polícias portuguesas no período entreguerras, tanto como resposta ao próprio aumento da criminalidade transnacional como por efeito da cooperação e da transferência de conhecimentos entre forças policiais de vários países.

4Esta edição completa-se com mais um ensaio da série Magna Opera, no qual Francisco Bethencourt volta ao tema da Inquisição, reflectindo sobre o percurso e o impacto de um livro que já leva várias edições em várias línguas, e fecha com um conjunto de seis recensões de livros recentes publicados no mercado português e internacional. Note-se, a propósito, que doravante as recensões deixam de constar da edição impressa da revista, passando a ser publicadas apenas na edição electrónica disponível na plataforma da OpenEdition Journals. Essa é uma das novidades que introduzimos em 2022. Outra, de maior alcance, é que a Ler História, em linha com as melhores práticas internacionais, passou a disponibilizar um serviço “First View”, ou seja, a publicação online antecipada de alguns artigos do número em preparação. Trata-se de artigos já completamente revistos e editados, com DOI atribuído, que de imediato são disponibilizados ao público e tratados pelos sistemas de indexação internacionais. Os autores beneficiam assim de uma publicação mais rápida e a comunidade académica ganha um acesso imediato aos últimos resultados de investigação.

5Para finalizar, refira-se que na última actualização do Índice SJR (Scimago Journal & Country Rank) a Ler História saltou para o primeiro quartil do ranking mundial (Q1), ocupando agora a posição 249 em cerca de 1400 títulos. É também a primeira vez que uma revista portuguesa da área de História entra neste patamar, um facto que não podemos deixar de registar com muita satisfação. É sabido que estas classificações são voláteis e dependem de inúmeros factores. Mas cabe ressaltar que resultam de um esforço continuado que a Ler História tem vindo a fazer nos últimos anos no sentido de uma adaptação aos padrões internacionais das revistas académicas. Resultam, também, de uma política editorial consistente e de rigor. E resultam ainda, bem-entendido, da contribuição dos nossos autores, do trabalho desinteressado dos nossos avaliadores, e do interesse e citações que os artigos publicados têm gerado na comunidade académica.

Informações adicionais

  • Edição: Número 80 (Junho 2022)
  • Instituição: Instituto Universitário de Lisboa
  • Dossiê: A autodeterminação de Timor-Leste