EM DEFESA DAS CIÊNCIAS HUMANAS - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE HISTÓRIA - ANPUH-Brasil

A polarização política e ideológica que tomou conta do Brasil tem contaminado, como é natural, o debate sobre política científica e educacional. Um dos produtos deste embate, disseminado em parte da opinião pública e mesmo entre algumas autoridades governamentais, é a ideia de que as Ciências Humanas foram sequestradas por projetos ideológicos sectários e pautadas por pesquisas “inúteis” para o desenvolvimento social.


Em primeiro lugar, é preciso dizer que as ciências humanas, como outras áreas científicas, abrigam um conjunto grande de posições políticas e ideológicas entre os seus pesquisadores e professores, desde que sejam pautados pelo rigor científico e acadêmico nas suas pesquisas e na docência.


Em segundo lugar, há um falso debate sobre a pretensa “inutilidade” das Ciências Humanas, e seu dispêndio de recursos tendo em face outras prioridades na política científica. Todo campo científico deve ser julgado pelo critério da “relevância” da pesquisa, julgada em duas instâncias: pelos “pares” e pelo conjunto da sociedade civil, com a qual deve se comunicar por diversos meios. As falhas de avaliação pelos pares e de comunicação com a sociedade devem ser discutidas e sanadas, se for o caso, pelas instituições de ensino, pesquisa e fomento, com a preciosa ajuda do debate público mais amplo.


Além disso, historicamente, as ciências humanas gastam cerca de 10% do orçamento para a pesquisa no Brasil, cifra que está muito longe de ameaçar outras pesquisas em áreas estratégicas. Quando se ameaçam as Ciências Humanas de corte de verbas, todo o campo científico deveria se considerar ameaçado. Seria ilusão achar que a diminuição de verbas de uma área seria benéfica para outras.


As Ciências Humanas não querem ter o monopólio da critica e da reflexão, mas dada sua natureza, têm um papel central na reflexão crítica de uma sociedade que se quer democrática e pluralista, sobre si mesma e sobre o mundo na qual se insere.


Se quisermos um país com capacidade de formulação de políticas públicas eficazes, consciente dos seus interesses econômicos e posição geopolítica em um mundo complexo, de um aluno e um trabalhador que possam ser algo mais do que repetidores de tarefas mecânicas, precisamos das ciências humanas na pesquisa e na educação. Como desenvolver políticas de saúde, políticas de inclusão social, políticas de segurança, políticas culturais, políticas de transporte e energia sem a ajuda da sociologia e da antropologia? Como fundamentar o debate sobre reformas políticas, constituição e cidadania, sem a ciência política? Como conhecer o legado ou desmontar as armadilhas institucionais colocadas pelo passado sem a história? Como desenvolver políticas agrícolas, agrárias, urbanas, de moradia, de preservação ambiental, sem a geografia?


O ambiente de liberdade de pesquisa em uma universidade pública, ou mesmo privada, mas pautada por uma gestão que valorize a pesquisa, ainda é o melhor caminho para se produzir ciência e conhecimento.


Mesmo tendo em vista o papel estritamente voltado para o dito “setor produtivo”, as ciências humanas também têm um papel importante. As humanidades têm impacto direto na indústria do turismo, no jornalismo, na indústria editorial, bem como um papel indireto na chamada “economia criativa” (publicidade, games, design, moda). Não se trata de responder a estas demandas matando a pesquisa e transformando os cursos de ciência humanas em escolões genéricos.


A área de humanidades, nas universidades públicas brasileiras, consolidou sua identidade e vocação: pesquisa e ensino articulados e inseparáveis. E apesar das dificuldades, é um modelo bem-sucedido, ainda que possa ser aprimorado e revisado. Sem dúvida, precisamos construir um novo patamar da relação entre pesquisa, ensino e extensão, e não esvaziar o próprio conceito de pesquisa em humanidades em nome do pretenso combate ao sectarismo ou da “utilidade científica”. Os currículos dos cursos devem ser atualizados, e as pesquisas puras, “inúteis” para alguns, deveriam ser melhor articuladas à pesquisas aplicadas e ao desenvolvimento de C&T.


Se quisermos construir um país com capacidade de formulação de políticas públicas eficazes e com vigor econômico e cultural, precisamos das Ciências Humanas na pesquisa e na educação, tanto quanto outros ramos das ciências, de preferência em contatos e trocas constantes entre si. Evitemos falsos debates que só ajudam o obscurantismo e a perpetuação do atraso social e econômico.



No Dia do Professor, 15 de outubro de 2018