CHAMADA DE ARTIGOS PARA A REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA - DOSSIÊ MODERNISMOS

Dossiê Modernismos - Vol, 42, N. 89


Prazo para submissões: 20 de dezembro de 2021

Link para submissões:http://submission.scielo.br/index.php/rbh/login


Organizadores
Bernardo Buarque de Hollanda (FGV CPDOC)
César Braga-Pinto (Northwestern University)


Apresentação
Como a historiografia, os estudos culturais e as ciências sociais, em sentido mais amplo, podem contribuir no debate sobre a história do modernismo?
É certo que o ano de 2022 reservará incontáveis rememorações e reportagens especiais dos meios de comunicação de massa, no afã de celebrar a efeméride dos 100 anos da Semana de Arte Moderna. Dada a dimensão adquirida pelo evento ao longo do tempo, alçado à condição de divisor de águas nas letras e artes brasileiras da primeira metade do século XX, o tema tornou-se uma pauta incontornável. Esta mobiliza não só os cadernos culturais dos periódicos de grande circulação, como os equipamentos públicos e as instituições privadas da área da cultura, por meio de exposições, ciclo de debates, publicação de revistas de divulgação científica, editais de fomento e exibições audiovisuais, entre outros, a consagrar feitos, episódios e personagens envolvidos em tal celebração.
Parece razoável supor que jornalistas, acadêmicos e especialistas reconhecidos pelos estudos literários e pela crítica de arte sejam convocados a realizar balanços, mais ou menos extensos, acerca do significado da Semana de 22 e do seu movimento como um todo. Este vem sendo alvo de análises retrospectivas de forma contínua, década a década, conforme mostra o historiador Frederico Coelho em seu A Semana sem fim (2012). Desde pelo menos o ano de 1942, com a famosa, e nada autocomplacente, conferência de Mário de Andrade na sede do Itamaraty, então no Rio de Janeiro, os sentidos daquele “acontecimento” e seus efeitos no campo artístico-cultural (Candido, 1987) vêm sendo aquilatados por autores do meio e por seus estudiosos da Academia (Amaral, 2010), mais ou menos envolvidos em sucessão geracional com tais protagonistas.
É igualmente plausível pressupor que haverá, aqui e ali, vozes dissonantes e pesquisadores dispostos a fazer a crítica do movimento modernista, a enfatizar seus silenciamentos e a apontar seus esquecimentos. Ante o “coro dos contrários” (Wisnik, 1983), arvoram-se revisionismos e aciona-se a postura iconoclasta de confrontar o cânone e de desconstruir o imaginário dominante que projetou as noites de 13, 15 e 17 de fevereiro no Teatro Municipal da cidade de São Paulo como mitos fundacionais da vanguarda modernista paulista, a apropriar-se e fazer as vezes de epítome da nação.
Em realidade, desde os anos 1970 e 1980, na esteira das comemorações do cinquentenário da Semana (Brito, 1971), quando o processo de canonização se torna mais estruturado, pesquisas no campo da sociologia da cultura (Miceli, 1999) e da história literária (Berriel, 2013) vêm em paralelo procurando contrapor-se a visões mais laudatórias ou àquelas desenvolvidas por epígonos das gerações do modernismo paulistano e inseridos na crítica literária de cariz universitário.
Se houve aqueles, como os filósofos Benedito Nunes (1976) e Eduardo Jardim de Moraes (1978), que optaram por uma visada mais afeita à história das ideias, a articular continuidades e rupturas, por exemplo, entre o romantismo e o modernismo, bem como a vinculação conceitual entre este último e as correntes vanguardísticas internacionais, a inscrição dos intelectuais na rede política de relações sociais e econômicas deu a tônica de muitas abordagens do último quartel do século XX. Isso permitiu a explicitação de nexos modernistas ora com o mecenato cafeicultor paulista ora com os construtores e ideólogos do Estado moderno, a fundamentar parte das perspectivas ancoradas em referenciais sociológicos.
Os anos 1990 trazem vertentes menos preocupadas com a crítica de fundo histórico-social e mais interessadas em contrapartida na ampliação dos horizontes espaço-temporais, aquém e além da Semana, aquém e além da cidade de São Paulo. Um exemplo disto encontra-se na senda explorada por Francisco Foot Hardman, em seu provocativo ensaio “Antigos modernistas” (Novaes, 1992), que vem a lume igualmente no contexto celebrativo dos 70 anos da Semana. Com efeito, tratou-se então de um instigante esforço de relativização da Semana de 22 e de inscrição da dinâmica das letras na historiografia da Primeira República, o que teve consequências também para a apreciação dos destinos modernistas – já distendido, quando não conflagrado, em seu “lado oposto e outros lados” (Holanda, 1996) – em fins dos anos 1920 e no decorrer da Era Vargas (Lafetá, 2000).
Pode-se dizer que a abordagem preconizada por Foot Hardman encetou, direta ou indiretamente, uma série de estudos historiográficos. Esta vem frutificando em uma constelação de livros, como os de Helena Bomeny, Guardiães da razão: modernistas mineiros (1994); Mônica Pimenta Velloso, Modernismo no Rio de Janeiro: turunas e quixotes (1996); Ângela de Castro Gomes, Essa gente do Rio: modernismo e nacionalismo (1999); e Leonardo Pereira, Coelho Netto, um antigo modernista (2016).
Destarte, mais do que atitudes meramente revisionistas e desconstrutoras, entende-se aqui que o descentramento e a ampliação do escopo têm permitido a multiplicação de perspectivas da história artístico-literária modernista, nas suas diversas frentes, quer seja pela história social da cultura, pela história cultural ou pela história intelectual, em consonância com uma agenda colocada pela historiografia e pela crítica internacional desde fins do século XX (Sirinelli, 1988; Ginzburg, 2004; Schorske, 2000; Gaoncar, 2001; Huyssen, 2007; Darnton, 2016; Chartier, 2016).

Justificativa
Diante das perspectivas comemorativas ensejadas pela efeméride do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, o presente dossiê justifica-se porquanto permite à comunidade de historiadores, cientistas sociais e estudiosos da cultura em geral refletir acerca dos potenciais exploratórios relacionados à história do modernismo no Brasil e alhures. Com base na importância da observação da diversidade regional brasileira e, em especial, das suas inter-relações com movimentos congêneres fora do país, parte-se do pressuposto de que a própria ideia de “comemoração” já contém em si matéria para reflexões fecundas à historiografia. Esta aciona a dialética das lembranças e dos esquecimentos, das continuidades e descontinuidades que se colocam vis a vis do evento celebrado.
Tendo em vista a lida dos historiadores com as fontes primárias e com os arquivos, revisitar o impacto e o significado dos modernismos implica a retomada de questões centrais do referido movimento cultural, a dilatação de seu escopo geográfico, assim como a interpelação de aspectos teóricos, metodológicas e arquivísticos que autores e obras associados ao modernismo no país possibilitam enfeixar em um mesmo dossiê temático.



Perfil das contribuições esperadas

Em face da pluralidade constitutiva do tema, apresentam-se os seguintes tópicos privilegiados para o presente número:

• Vanguardas artísticas internacionais, modernidades periféricas e modernismos alternativos;

• Modernismos em perspectiva comparada na América latina: “Modernismo” hispano-americano e vanguardas;

• Região, nação e fronteiras: cartografias dos modernismos no Brasil;

• Modernismos e historiografia do Brasil republicano;

• Além das letras: modernismos audiovisuais, pictóricos, plásticos e musicais;

• A Semana de 1922: cânon e anti-cânon;

• Antigos modernistas, gerações e periodização;

• A mulher moderna e as mulheres modernistas;

• Masculinidades modernas e misoginia no modernismo;

• Primitivismo, negrismo, raça e indigeneidades;

• Políticas da amizade, elitismos e dinâmicas de grupo;


Referências

AMARAL, Aracy. As artes plásticas na Semana de 22. São Paulo: Editora 34, 2010.

BERRIEL, Carlos Eduardo. Tietê, Tejo, Sena: a obra de Paulo Prado. Campinas: Editora Unicamp, 2013.

BOMENY, Helena. Guardiães da razão: modernistas mineiros. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994.

BRITO, Mário da Silva. História do modernismo no Brasil I: antecedentes da Semana de Arte Moderna. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira

CANDIDO, Antônio. “A revolução de 1930 e a cultura”. In: A educação pela pedra & outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987.

CHARTIER, Roger. “Materialidade do texto e expectativas de leitura: concordâncias ou discordâncias?”. In: HOLLANDA, Bernardo Buarque de; MAIA, João Marcelo; PINHEIRO, Cláudio Costa. Ateliê do Pensamento Social: métodos e modos de leitura com textos literários. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2016.

COELHO, Frederico Oliveira. A Semana sem fim: celebrações e memória da Semana de Arte Moderna de 1922. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2012.

DARNTON, Robert. Censores em ação: como os Estados influenciaram a literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

GAONCAR, Dilip Parameshwar. Alternative modernities. Durham: Duke U.P., 2001.

GINZBURG, Carlo. Nenhuma ilha é uma ilha: quatro visões da literatura inglesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

GOMES, Ângela de Castro. Essa gente do Rio…: modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: FGV Editora, 1999.

HARDMAN, Francisco Foot. “Antigos modernistas”. In: NOVAES, Adauto (Org.). Tempos e história. São Paulo Companhia das Letras, 1992.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. “O lado oposto e outros lados”. In: PRADO, Antônio Arnoni (Org.). O espírito e a letra: estudos de crítica literária I (1920-1947). São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 224-228.

HUYSSEN, Andreas. “Geographies of modernism in a globalising world”. In: Geographies of modernism. Nova York e Londres: Routledge, 2005.

LAFETÁ, João Luiz. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Editora 34, 2000.

MICELI, Sérgio. Intelectuais e classes dirigentes no Brasil (1922-1945). São Paulo: Difel, 1979.

MORAES, Eduardo Jardim de. A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica. Rio de Janeiro: Graal, 1978.

NUNES, Benedito. “Correntes estéticas e modernismo”. In: ÁVILA, Affonso. O modernismo. São Paulo: Perspectiva, 1976.

PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Coelho Netto, um antigo modernista. Rio de Janeiro: Contracapa, 2016.

SCHORSKE, Carl. Pensando com a história: indagações na passagem para o modernismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

SIRINELLI, Jean-François. “Os intelectuais”. In: REMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: FGV Editora, 1988.

VELLOSO, Mônica Pimenta. Modernismo no Rio de Janeiro: turunas e quixotes. Rio de Janeiro: FGV Editora, 1996.

WISNIK, José Miguel. O coro dos contrários: a música em torno da Semana de 1922. São Paulo: Editora Duas Cidades, 1983.