COMO ESQUECER 1964?

A ideia de anistia ou de esquecimento das experiências traumáticas vividas durante os anos da ditadura (1964-84), defendida e repetida ainda hoje, depois do 08 de janeiro, contribui para perpetuar a impunidade e a injustiça, sob a defesa de uma amnésia institucional, geral e irrestrita. O discurso que fala em ressentimento com relação aos tempos sombrios da ditadura colabora para evitar a responsabilização pelos danos, o enfrentamento de um passado ainda em aberto, as reparações e a possibilidade de uma perspectiva de futuro democrático.
 
Pessoas e grupos perseguidos, presos, torturados, violados, e os familiares daqueles que não sobreviveram procuram manter uma luta incansável pelo direito e pelo dever de lembrar, exigindo que a sociedade e o Estado se posicionem para lidar com o luto e o desejo de justiça que se perpetuam em nosso cotidiano.
 
É inconcebível que se construa um futuro quando feridas permanecem vivas nos corpos e na memória coletiva, remoídas pelo negacionismo, pela anistia ao dolo, pela amnésia forçada que convida a agirmos para deslegitimar lutas cotidianas por justiça e apagarmos os rastros de violações, considerando tentativas de reparação e responsabilização como ressentimento.
 
Uma postura política que fala em esquecimento, conciliação e ressentimento em nome do futuro, procura calar vozes e banalizar as violações dos direitos humanos. Permite a repetição do crime no presente pelo não enfrentamento, pela negligência e pela impunidade.
 
Não há o que esquecer!
 
Há ainda muitos mortos a nomear e enterrar, muitos crimes a reparar, mutas feridas a serem curadas. Para isso, o direito à memória torna-se dever. Num contexto de intolerância, autoritarismo e negacionismos que celebram a morte, é necessário, mais do que preservar a memória e resistir ao esquecimento, fazer desaparecer o dolo, a tortura e a morte. É preciso a força coletiva de uma história pública que produza comunidades de debates em muitos espaços e que se posicione contra toda estratégia que pretenda fazer desaparecer as palavras e negociar a memória traumática de um passado que insiste em doer.
 
Nós, historiadoras/es, por meio da ANPUH-Brasil, repudiamos toda tentativa de fazer silenciar a memória crítica ao que representou 1964 e nos posicionamos a favor da democracia, da reparação e da justiça!
 
Falar sempre! Esquecer jamais!