Racismo

Por Álvaro Pereira do Nascimento*
 
Como explicar os raros médicos, atores, engenheiros, professores universitários e empresários negros no Brasil? Se os negros somam mais de 50% da população, por que ocupam basicamente os ofícios com remuneração mais baixa, aglomeram-se nos bairros mais pobres e têm seus jovens entre aqueles que mais morrem de forma violenta nas grandes cidades brasileiras? O que o racismo tem a ver com isso?
27 Dez 2016 0 comment
Como explicar os raros médicos, atores, engenheiros, professores universitários e empresários negros no Brasil? Se os negros somam mais de 50% da população, por que ocupam basicamente os ofícios com remuneração mais baixa, aglomeram-se nos bairros mais pobres e têm seus jovens entre aqueles que mais morrem de forma violenta nas grandes cidades brasileiras? O que o racismo tem a ver com isso?

O racismo, em resumo, é uma construção social e histórica utilizada por pessoas que se sentem hierarquicamente superiores, cultural e biologicamente, em relação a outras classificadas de inferiores. Para isso exploram as diferenças fenotípicas, descrevem os valores e costumes dos demais como atrasados, reproduzem ideais de padrões de beleza eurocêntricos e constroem parâmetros de capacidade cognitiva e de adaptação baseados em termos raciais, utilizando discursos de senso comum. Basta-nos perguntar, quando sentados em nossas poltronas quantas vezes e em que condições negros e negras apareceram nos programas televisivos? Interroguemo-nos por quantas médicas negras fomos atendidos em nossas vidas; quantas modelos negras apareceram na passarela do São Paulo Fashion Week.

As diferenças de cor na população brasileira refletem e informam as históricas desigualdades econômicas, sociais e políticas entre brancos e negros. Há décadas o racismo e sua capacidade de transformação no tempo vêm garantindo privilégios aos primeiros, que escudam-se sob o verniz da meritocracia e do famigerado mito da democracia racial para validar estas violentas desigualdades.

Enfim, como tudo isso foi construído? Não há mais como depositarmos a culpa numa pretensa herança da escravidão que limitava as primeiras gerações de ex-escravizados no século XX. A historiografia já pôs isso por terra: havia padres, médicos, professores, cientistas, políticos negros e escravizados (as), livres e libertos nos mais diferentes ofícios desde a Colônia. Mas a proximidade da abolição de 1888 aumentou a disputa por direitos, que os livres e brancos não quiseram ampliar aos libertos e seus descendentes. Aí é que entram as teorias raciais do século XIX, instrumentos fundamentais para garantirem seus privilégios.

Durante muito tempo acreditou-se que por ser preto, amarelo, indígena, branco ou mestiço o indivíduo carregaria comportamentos e limitações inatas ao que compreendiam ser biologicamente próprio de diferentes raças humanas. E isso era validado pelos estudiosos do século XIX que observavam as variações existentes entre os modos de vida das pessoas encontradas nos continentes asiático, europeu, africano, australiano e americano. Os cientistas especulavam se os seres humanos possuíam ou não uma mesma origem (monogenistas e poligenistas), introduziram o termo raça para classificar e defender a impossibilidade de mudança no indivíduo devido a heranças físicas permanentes em grupos humanos (discurso racial), entenderam até que a relação com o meio físico determinava o grau de desenvolvimento cultural das pessoas (“determinismo geográfico”).

Por seu turno, o “darwinismo social” recebeu muitos adeptos no Brasil que acreditavam na existência de raças puras, sendo algumas superiores (“caucasianas”), outras inferiores (“cor de cobre”, preta e amarela) e as híbridas, resultantes do cruzamento das anteriores. Herbert Spencer, imensamente citado nos jornais brasileiros entre os séculos XIX e início do XX, por exemplo, entendia que na sociedade europeia, o exemplo britânico era o mais bem acabado de uma raça superior evoluída, através dos valores do seu povo, da liberdade de opinião e do desenvolvimento econômico alcançado para enfrentar as adversidades. Posteriormente, várias políticas de governos europeus apropriaram-se destas teorias e as redimensionaram para invadir continentes, e legitimaram o emprego de práticas genocidas nazifascistas.

Não à toa, estas ideias foram reproduzidas nas letras dos cronistas da imprensa, invadiram as conversas nos lares e os debates em praça pública e chegaram às mesas dos gabinetes governamentais e às sessões das assembleias regionais e nacional. Os darwinistas sociais brasileiros desenvolveram uma teoria racial e propuseram o embranquecimento da população através do cruzamento de raças inferiores e híbridas brasileiras com a branca através do apoio à massiva imigração de europeus. João Batsita de Lacerda, em 1911, no Congresso Universal das Raças, em Londres, chegou a defender que em três gerações o país teria uma população de fenótipo branco.

As sociedades que experimentaram a escravidão africana moderna carregaram nos séculos XIX e XX (e ainda carregam) marcas inegáveis dos males do racismo sobre a população negra. A falta de oportunidades no mercado de trabalho, os maus tratos nos serviços públicos oferecidos, o tratamento violento de médicos e policiais, as dificuldades de implementação de medidas de combate ao racismo - como a lei de cotas no Brasil - são algumas delas. Se existiu, por exemplo, a política do apartheid na África do Sul e de negação de direitos civis aos negros nos Estados Unidos da América, no caso brasileiro, o racismo naturalizou-se de tal forma que pessoas são racistas dizendo-se não sê-lo.

Embora haja movimentos sociais organizados e ações governamentais e de algumas empresas privadas no combate ao racismo, ainda resta uma longa estrada de lutas a fim de tornar menos evidente as dificuldades enfrentadas pela população negra na atualidade.

Para saber mais:

HASENBALG, C. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

OLIVEIRA, Iolanda. Cadernos Penesb. Niterói, FEUFF, n. 12, 2010.

SCHWARCZ, Lilian M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Cia das Letras, 1993.
*Álvaro Pereira do Nascimento é historiador e professor no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

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