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MANIFESTO - INCÊNDIO DO MUSEU NACIONAL

O Descaso e a Cicatriz: manifesto dos Historiadores ANPUH-SP 2018 por ocasião do incêndio do Museu Nacional em 02/09/2018
05 Out 2018 0 comment  
      Reunidos no 24º Encontro Regional da ANPUH-SP “História e Democracia: precisamos falar sobre isso”, nós, historiadores e historiadoras, nos unimos às expressivas manifestações das numerosas entidades em profundo pesar e indignação diante da catástrofe ocorrida em 02 de setembro de 2018 no Museu Nacional, no Rio de Janeiro.
      Muito já foi dito desde então, mas ainda é pouco. O acontecimento funesto, de consequências incalculáveis e prejuízos permanentes, denuncia a desconsideração sistemática e crescente em relação à história, à cultura, à ciência, à educação e ao patrimônio no Brasil. Tal descaso tem sido agravado por políticas governamentais de aguda austeridade financeira, apoiada em discurso fatalista que interdita o debate público e compromete irresponsavelmente projetos de futuro para o país, como reiteradamente denunciado desde 2016 por diversos setores, inclusive por esta Associação por meio de renovadas manifestações.
       Expressamos posição radicalmente contrária à falácia da reconstrução do Museu diante do caráter irreparável e irreversível das perdas provocadas pelo incêndio. O desaparecimento sob as chamas desse acervo único e insubstituível, expressão de milhares de anos de vida e
trabalho no planeta e fruto da construção coletiva ao longo de dois séculos, deve provocar uma análise crítica, profunda e responsável sobre as escolhas políticas que ignoram o papel crucial da ciência, da cultura, da educação e do caráter público das instituições que fundamentam esse arsenal estratégico para a construção de um país soberano.
        A ANPUH-SP se solidariza com funcionários, técnicos e pesquisadores do Museu Nacional diante desta tragédia, a qual também não deixa de ser um crime. Se a tragédia reside em seu desaparecimento quase completo, o crime está no desprezo que lhe foi dedicado pelos seus responsáveis enquanto existiu, que falas aparentemente consternadas não podem apagar. E, ao contrário do que algumas vozes apregoam, não é a seus diretores ou à Universidade Federal do Rio de Janeiro que nos referimos (a estes, estendemos também a nossa solidariedade), mas àqueles que deveriam, independentemente de cargos, posições políticas e atribuições burocráticas, compreender o seu papel como homens de Estado: o ministro da Educação, o ministro da Cultura, o Presidente da República.
      Insubstituível como instituição para a pesquisa e a cultura, irremediavelmente convertido em escombros, esperamos e defendemos que os restos do Museu Nacional possam se tornar um memorial: o memorial da destruição. Ao permanecer na paisagem como ruína e cicatriz a nos lembrar do descaso, que seja o estímulo permanente para a defesa de políticas comprometidas com a integridade de nossa ciência, cultura, educação e história, bem como com o resguardo de seu interesse público e coletivo.

Guarulhos, 05 de setembro de 2018.