MORRE O HISTORIADOR ERIC HOBSBAWM

A ANPUH-Brasil lamenta profundamente a morte do historiador Eric Hobsbawm, cujas obras formaram inúmeros historiadores por todo o mundo, inclusive em nosso país, especialmente nos campos da história contemporânea, da história do trabalho e da reflexão sobre o conhecimento histórico e o ofício do historiador. Sua capacidade de síntese, sua enorme erudição, sua narrativa ao mesmo tempo densa e clara, e seu comprometimento com a luta por uma sociedade mais justa e igualitária são, certamente, uma inspiração para todos nós.

Abaixo, texto do professor dr. Alexandre Fortes da Universidade Federal Ruaral do Rio de Janeiro (UFRRJ)

Poucos profissionais questionariam a afirmação de que Eric Hobsbawm foi um dos mais in­fluentes historiadores do seu tempo. Isso não quer dizer que haja qualquer unanimidade em relação às suas opções teóricas ou às conclusões a que ele chegou sobre tópicos específicos, mas sim que ele se tornou reconhecido por pensadores dos mais diversos matizes como um interlocutor válido e necessário.

Devido, provavelmente, ao caráter profunda­mente sóbrio da sua produção, Hobsbawm ja­mais foi convertido em uma "moda intelec­tual" e tampouco gerou uma "seita" de segui­dores. Mas sua vasta e diversificada obra tornou-se uma referência obrigató­ria para o estudo de um amplo leque de campos especializados de pesquisa: movi­mentos sociais no campo, história da esquerda, movimento operário, identidades nacionais e nacionalismo, história econômica etc.

A tetralogia de Hobsbawm (A era das revoluções; A era do capital; A era dos impérios e Era dos extremos) constitui-se no maior e mais consistente esforço de compreen­são integrada dos processos de formação do mundo contemporâneo. O mais significativo é que essa obra colossal tenha sido erguida ao longo de décadas nas quais a tendência domi­nante da produção historiográfica foi a da desconstrução crítica dos grandes paradigmas ex­plicativos. Entre a publicação do primeiro e a do quarto livro (respectivamente 1962 e 1994), muitas escolas teóricas viveram seus momen­tos de ascensão e queda e o univer­so intelectual passou por profundas transfor­mações. Ainda assim, esses livros permanecem atuais e se constituem em instrumentos de va­lor inestimável tanto para o leigo interessado em história quanta para o ensino de graduação e, em relação a muitos temas, mesmo para a pesquisa especializada.

Ao contrário do que ocorreu com outros ex­poentes da historiografia marxista britânica, como E. P. Thompson e Christopher Hill, traduções das obras de Hobsbawm começaram a circular no Brasil relativamente cedo. Ele esteve várias vezes aqui e estabeleceu fortes relações com acadêmicos de diversas instituições brasileiras. Esses fatores, somados à qualidade excepcional do seu traba­lho e ao caráter direto e objetivo da sua prosa, contribuíram para fazer dos seus livros um sucesso cada vez maior. Era dos extremos ven­deu mais no Brasil do que em qualquer outro país do mundo, e até mesmo a sua autobiogra­fia, Tempos interessantes, ficou na lista dos mais vendidos por vários meses.

Forjado intelectual, política e eticamente na luta antifascista, Hobsbawm dedicou uma longa vida de trabalho intenso a fazer do estudo crítico do passado um instrumento para ampliar a capacidade dos seres humanos construírem coletivamente um futuro melhor, desafiando o poder esmagador de fatores estruturais de diversas ordens.

Aqueles que tiveram o privilégio de conhecê-lo certamente lembrarão o quanto sua simplicidade e modéstia contratavam com sua eru­dição e sua aguda inteligência. Um breve contato pessoal era suficiente para perceber que se tratava de um ser humano excepcional.

A ausência da sua lucidez será lamentada profundamente por aqueles que continuarem a enfrentar o desafio de buscar dar inteligibilidade a um mundo em transformação acelerada, no qual muitas velhas certezas continuam a se esfacelar.

Abaixo, texto da professora Sílvia Regina Ferraz Petersen, do Departamento e PPG em História da UFRGS:

Lucidez, senso crítico, originalidade, erudição, coerência e permanente preocupação com o compromisso social do historiador são algumas características que fazem de Eric Hobsbawm um pensador imprescindível, que ilumina e vai iluminar o caminho de quantos se preocupam com a história da sociedade e com a construção de um mundo mais justo. Portanto, todas as homenagens que lhe sejam prestadas são apenas o merecido reconhecimento de sua notável trajetória. Eu desejo prestar minha homenagem transcrevendo umas poucas palavras de Hobsbawm que reafirmam sua identidade de historiador e a importância que concedeu ao próprio ofício:

"A destruição do passado - ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas- é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isto os historiadores, cujo ofício é lembrar o que outros esquecem, tornam-se mais importantes que nunca no fim do segundo milênio. Por este mesmo motivo, porém, eles têm de ser mais que simples cronistas, memorialistas e compiladores".

IN: HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. O breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Cia. da Letras, 1995. p. 13