CARTA ABERTA À COMUNIDADE HISTORIADORA

Estas palavras são escritas no intuito de compartilharmos a chegada ao final de mais um ano de grande esforço para todas as pessoas que se dedicam a trabalhar, como bem sabemos, para além das salas de aula. Quantos dias levamos trabalho para casa, em papel e no computador, ou ele nos chega em momentos inesperados, por mensagens nas redes sociais, mais usadas hoje do que nossos quase obsoletos e-mails? Mais fácil contar nos dedos os dias em que não o fizemos.
 
Compartilhamos sonhos e ações, vivemos um ano inteiro sem o pesadelo de um desgoverno, mas tendo de lidar com a herança de um desmonte social, da história, do ensino, da pesquisa e, mais do que tudo, das relações humanas. O predomínio do individualismo acabou atingindo a todas/es/os nós. Desafios para uma historiografia das urgências, ou das faltas? Acolhimento, muitas vezes, é algo que nos falta.

Em cinco meses de gestão – de agosto a dezembro –, nós acolhemos demandas das mais diversas, que toda esta comunidade conheceu bem, como as mobilizações pela qualidade do ensino, com destaque para o Ensino Médio e as disputas políticas em torno do que entendemos como um projeto de sociedade, e a luta pela revogação da resolução 01/2019, BNC-Formação; como as lutas pela sobrevivência das licenciaturas, e da nossa própria carreira. Tivemos que reafirmar um lugar nos quadros do ensino básico, frente a uma parcela da classe política que pretende apagar a história e colocar em dúvida a historiografia. Estamos buscando parcerias com instituições públicas, nos diversos âmbitos de governo, para criar postos que sejam ocupados por profissionais com formação em História, ou para tomar assento em conselhos e representações que dizem respeito a esta comunidade em seu sentido profissional e político.

Por vezes, um grande desafio é lidar com pessoas, garantir respeito e os direitos mais básicos, como o da existência plena como seres humanos, independentemente de orientações, escolhas, linhas de pesquisa ou posturas públicas. O eixo que não podemos perder de vista, e do qual não queremos nos afastar, diz respeito aos valores e princípios que nós, profissionais de história, defendemos. Na grande maioria, somos professoras e professores, estamos nas salas de aula, lidamos cotidianamente com conflitos e diferenças, sendo que o problema das diferenças é quando elas são hierarquizadas.

No último mês, recebemos notas de repúdio vindas do GT Estudos de Gênero e da Rede de Historiadorxs LGBTQIAPN+, referentes à propagação do preconceito, tão legitimado pela nossa sociedade. Para além desta comunidade, nos dias recentes, tivemos notícias chocantes de mortes por feminicídio e lesbofobia. Também de pessoas dos povos originários, incluindo uma menina, vítima de estupro coletivo, e mais uma liderança indígena.

O inaceitável para nós, como Associação, é a falta de respeito dirigida a qualquer colega/pessoa, seja por opiniões divergentes ou por questões pessoais, é o desrespeito aos direitos humanos, é a violência, mesmo que velada, contra populações em situação de vulnerabilidade, é o incentivo e a banalização do senso comum que tem como base o preconceito. Remarcamos, neste ponto, situações que envolvem extremos de opressão social, como o racismo e a lgbtqiapn+fobia. Somos uma parte da sociedade que forma cidadãos e cidadãs. Longe de qualquer visão conservadora, ainda nos resta o decoro, um lugar de respeito e confiança a zelar.

É inadmissível acolhermos ideias e posicionamentos que contribuam para projetos excludentes e antidemocráticos. Precisamos, ao mesmo tempo, de firmeza e pedagogia contra eles. Mesmo que para isso sejam necessárias mudanças regimentais e estatutárias.

Esta diretoria reafirma seu compromisso com as chamadas “minorias”, com pessoas que historicamente não fizeram parte das gestões da ANPUH e com profissionais de história que sejam também seres atravessados por marcadores de opressão. Afinal, a crítica pejorativa ao chamado “identitarismo” também tem gênero, raça, classe e localização.

Entendemos que fazer parte da ANPUH não significa apenas estar com a anuidade em dia, se os princípios básicos de humanidade não forem compartilhados minimamente e se os direitos de todas as pessoas e profissionais não forem respeitados, pois fazemos parte de uma entidade que nos orgulha e cuja trajetória política e combativa atravessa já algumas décadas.

Os planos para 2024 passam pelo projeto Memórias da ANPUH, pelo lançamento do Selo ANPUH Publicações, a regulamentação das regionais, também pela continuidade de Cursos de Curta Duração que deem conta das principais discussões entre as pessoas associadas e que contribuam para sua formação, priorizando o ensino de história, trabalhando a efeméride dos 60 anos do golpe civil-militar, a visibilidade trans na história e na historiografia, a pauta antirracista, violência e assédio nas universidades, entre outras possibilidades que estão sendo discutidas e planejadas na perspectiva da história pública. Para isso, o apoio das seções estaduais e dos GTs é fundamental.

A ANPUH se torna cada vez mais uma referência política de debates e trocas de ideias, além de ter o reconhecimento do seu lugar privilegiado como Associação de classe, cujas manifestações, ações e posturas estão distantes de ser unanimidades, mas buscam caminhos possíveis para enfrentar questões e entraves de todos os tipos.

Com a nova diretoria ampliada, aberta e dedicada a atender às demandas da comunidade historiadora e aos interesses da Associação, praticando uma gestão colegiada, arriscamos dizer que é tempo de comemorar, desejando a todas as pessoas desta comunidade momentos de tranquilidade, descanso e alegria, para que as energias se renovem e não nos faltem nas horas de enfrentamento aos instigantes e bons combates.

Por uma ANPUH cidadã e solidária, que seja ao mesmo tempo antirracista, antissexista e anticlassista!

Pela dignidade e a diversidade respeitada de professoras, professores e demais profissionais da História!

Que venha 2024, que viva a nossa ANPUH!
Diretoria da ANPUH Brasil
biênio 2023-2025


por Ana Maria Veiga
presidenta


Dezembro de 2023.