NOTA PÚBLICA EM REPÚDIO À MINUTA DO CNE DE “NOVAS” DIRETRIZES PARA A FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO

NOTA PÚBLICA
Em repúdio à Minuta do CNE de “novas” Diretrizes para a Formação de Profissionais do Magistério

O presente documento explicita a posição aprovada, por unanimidade, pelo Pleno do Fórum Nacional de Educação (FNE), em reunião realizada em Brasília, no dia 07.12.23, contrária à Proposta de Minuta, oriunda do Conselho Nacional de Educação (CNE) que propõe Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em nível superior de Profissionais do Magistério da Educação Escolar Básica (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados não licenciados e cursos de segunda licenciatura) submetida à consulta pública pelo Conselho em 06.12.23. Em contraposição à referida minuta, o FNE defende a retomada imediata da Resolução CNE/CP nº 02/2015.

1. CONTEXTUALIZANDO O DEBATE

É de amplo conhecimento público que o conjunto majoritário de entidades nacionais do campo educacional, mobilizadas no Fórum Nacional de Educação (FNE) e no Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE), vem ratificando, desde o afastamento sem crime de responsabilidade da Presidenta Dilma Rousseff, a premente necessidade de preservação e retomada das Diretrizes Nacionais para a formação inicial e continuada, materializadas na Resolução CNE/CP nº 2/2015 (ela própria decorrente de amplo debate com todo o campo educacional) e revogada em 2019.

O GT Formação do MEC (constituído pela Portaria nº 587, de 28 de março de 2023/MEC), após meses de discussões, finalizou seu trabalho em 30 de junho de 2023. O FNE participou do referido GT e encaminhou, oficialmente, a sua posição, contribuindo efetivamente com o andamento das reuniões e consequentes deliberações. O Sumário do Relatório do Grupo, apresentado pelo MEC, apontou, em harmonia com os acúmulos e defesas das entidades do campo educacional, e das secretarias e órgãos do MEC representados no GT, no sentido da Retomada da Resolução CNE/CP nº 2/2015, constando como primeiro encaminhamento a revogação das Resoluções do CNE/CP nº02/2019 e nº 01/2020.

A decisão convergente foi a de que a formação inicial e continuada de professores volte a ser orientada pelas diretrizes contidas na ResoluçãoCNE/CP nº 2/2015, amplamente discutidas em todo o país, construídas e pactuadas democraticamente, a fim de que esta tenha seu processo de implementação efetivamente avaliado.

Tem nos causado profunda preocupação os encaminhamentos adotados pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) no que se refere à pauta da Formação de Professores, em evidente desacordo com o acúmulo de conhecimentos já albergados no referido GT. Merece especial destaque e apreensão o encaminhamento que vem sendo proposto pelo CNE, qual seja, de construção de uma nova Resolução[1] para formação de professores que, reforçamos, diverge: i) daquilo que foi discutido pelo GT do MEC de Formação Professores; ii) da posição unânime do pleno do Fórum Nacional de Educação; e iii) do pleito de mais de 40 entidades que compõem a Frente Nacional pela Revogação da BNC-Formação (Resoluções do CNE/CP nº 02/2019 e nº01/2020) que, de igual modo, apontaram para a retomada imediata da Resolução CNE/CP nº 2/2015.

Nesse sentido, com relação à Minuta de uma nova Resolução para a formação de professores, nos manifestamos:

1.1. Evidências de equívocos em relação aos princípios e concepções no campo da formação de professores

A minuta apresentada reverbera ter por base a Resolução CNE/CP nº 2/2015, porém, ao recortar artigos da referida Resolução, desidrata-a e, efetivamente, altera sua natureza, concepção e abrangência. Esta nova minuta, construída pelo CNE em descompasso com as demandas do campo educacional e sem discussão prévia com entidades, pesquisadores e instituições de educação superior, rompe com a indissociabilidade entre formação inicial e continuada, base central da Resolução CNE/CP nº2/2015;

A mencionada minuta retoma, inexplicavelmente, o Decreto nº 3.276/1999 que recupera os Institutos Superiores de Formação e o Curso Normal Superior que são extremamente questionados pelos educadores. Os referidos institutos se opõem à compreensão da concepção de formação e dos processos e dinâmicas formativas historicamente defendidas pelas entidades e instâncias de formação dos profissionais da educação;

A Minuta em tela recupera concepções da Resolução CNE/CP nº 2/2019, suprime partes essenciais da Resolução CNE/CP nº 2/2015 reduzindo o escopo da minuta à formação inicial dos profissionais do magistério da escolar básica. A junção de trechos das duas Resoluções tenta conciliar o inconciliável, uma vez que existem concepções de educação e formação divergentes entre ambas;

A utilização do termo Base Comum Nacional (BCN) na Minuta referida não corresponde à ideia de BCN defendida pelas entidades do campo, além de mascarar e naturalizar a concepção de Base Nacional Comum da Formação. Ou seja, a minuta não explicita o que se entende por BCN e a empobrece quando a equipara à Base Nacional Comum (BNC), estando, portanto, muito mais próxima daquilo que já se conhece da versão curricular (BNCC) tão criticada por todas as entidades do campo da educação. Considerando a expressão “conhecimento pedagógico de conteúdo (CPC)”, no inciso b do art.12 do cap. II, da minuta, verifica-se, de forma subliminar, a prioridade e a condicionalidade aos conteúdos pedagógicos, em sentido stricto, se associando a BNCC.

1.2. Processos autocentrados sem diálogo e sem a participação das entidades

A lógica cartorial do CNE expressa-se em manifestação solitária e à revelia do diálogo com as instituições e com a sociedade civil. Fica, portanto, mais uma vez evidenciado que aquele Conselho propõe uma minuta de gabinete, ignorando o FNE, do qual é parte, sem promover uma transparente interlocução com as entidades e com o que o GT de Formação do MEC já acumulara de conhecimentos sobre o tema, incluindo as deliberações convergentes deste GT pactuadas sobre a matéria, a saber: revogação das Resoluções CNE CP nº 2/2019 e CNE CP nº 1/2020, com a consequente retomada da materialização da Resolução CNE CP nº 2/2015;

Estranha-nos o fato de o CNE compor o referido GT Formação do MEC e não reafirmar sua posição convergente pela decisão tomada em reuniões coletivas nas quais se fez presente e não fez nenhuma objeção;

Tais processos não se articulam aos compromissos e orientações de governo em relação à participação, inclusive com a mensagem do Presidente da República que sinaliza para a construção de “uma sociedade coesa e uma democracia robusta e vibrante, capaz de promover a participação social e garantir a pluralidade com respeito aos princípios democráticos expressos em nossa Constituição”.

1.3. Equívocos e Retrocessos

A proposta de Minuta ignora o Decreto nº 8752/2016 que estabeleceu a Política Nacional de Formação em sintonia com a meta 15 do PNE;

A referida proposta reduz a formação dos profissionais do magistério a educação escolar básica, negligenciando, inclusive, as especificidades da educação infantil, entre outras possibilidades de atuação destes profissionais;

A Minuta retira, entre outros, os considerandos iniciais da Resolução nº 2/2015 e, com isso, empobrece o sentido que configura e orienta sua proposição e implementação como um documento, construído coletivamente, articulado e sintonizado com as políticas educacionais brasileiras;

A Minuta retoma a proposta de organização da formação por Núcleos, porém, não é a mesma proposta da Resolução CNE/CP nº 2/2015, quando assume um viés mais pragmático e acrítico para a formação docente. Nesta direção, reedita a lógica restritiva da BNCC, dicotomiza a relação conteúdo e metodologia, didática e prática de ensino, além de excluir questões atinentes à ética, estética e ludicidade e secundarizar a pesquisa como processo formativo;

A Minuta sinaliza, ainda, para o aproveitamento da formação e das experiências anteriores, desenvolvidas em instituições de ensino, e em outras atividades docentes ou na área da educação, sem estabelecer parâmetros políticos pedagógicos para tal aproveitamento;

1.4. Proposições que geram desarticulações

A minuta da nova Resolução está restrita à formação inicial. Assim, naturaliza a fragmentação dos processos formativos, ao mesmo tempo em que possibilita o rompimento da concepção de formação, articulada à princípios, orientações e dinâmica curricular e formativa, presente na Resolução CNE/CP nº 2/2015, que, por sua vez, propõe uma articulação orgânica entre formação inicial e continuada;

A minuta faz sinalizações pontuais sobre a Educação a Distância que não equacionam o cenário complexo em que se encontra esta modalidade, em especial na formação de professores. O FNE ressalta que a questão da EaD deve ser objeto de política nacional e de marcos regulatórios que avancem face ao cenário de flexibilização regulatória, decorrente, sobretudo, do Decreto n. 9057/2017. É fundamental o estabelecimento de marcos regulatórios, de supervisão e de avaliação que contribuam para assegurar a qualidade na educação superior, em particular, na formação de profissionais do magistério;

1.5. Ausência do debate sobre a valorização dos/as profissionais da educação e respeito às diferenças e diversidades:

A minuta, ao retirar a discussão da formação continuada articulada à formação inicial, retira, ainda, todo o capítulo em torno da Valorização dos/as Profissionais da Educação. Assim, ao não contemplar a articulação orgânica da formação inicial e continuada, como também as condições dignas de trabalho, plano de carreira e piso nacional salarial profissional, suas diretrizes e perspectivas pedagógicas, a minuta distancia-se da concepção de formação basilar da Resolução CNE/CP nº 2/2015;

É restritiva ao secundarizar o respeito e a valorização à diversidade, a educação em direitos humanos, afirmados na dinâmica formativa da Resolução CNE/CP nº 2/2015 e fundamentais para a garantia do direito à educação com equidade.

Faz a adoção de tratamento excludente ao Curso de Pedagogia em relação às demais licenciaturas;

1.6. Movimentos de sobreposição da prática em detrimento à teoria

Na tentativa de amalgamar as duas Resoluções, desconfigurou-se a articulação entre teoria e prática contida na Resolução CNE/CP nº 2/2015 e reorientou os eixos reduzindo o seu escopo e dimensões formativas.

A Minuta substitui, portanto, a articulação teoria e prática propondo, de forma reducionista, a associação entre teorias e práticas pedagógicas, inclusive, de forma restrita aos estágios supervisionados e à “capacitação” em serviço;

2. POSICIONAMENTOS CRÍTICOS AO PROCESSO DE FORMULAÇÃO DE UMA NOVA DIRETRIZ DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Pode-se afirmar que o processo adotado pelo CNE, de apresentar uma Minuta de gabinete, sem diálogo com o FNE e com o GT Formação do MEC, não se coaduna com o esforço do governo eleito de retomada do Estado Democrático e da reconstrução da educação pública do país, que envolve, evidentemente e diretamente, a formação dos profissionais da educação.

É preciso também ressaltar que a maioria das Instituições de formação de professores já fizeram seus Projetos Institucionais e os Projetos Pedagógicos de Curso (PPC) das licenciaturas pautados na Resolução CNE/CP nº 2/2015. É preciso mapear as experiências, acompanhar seus processos de implementação, avaliar a execução das propostas e apontar para a construção de políticas que qualifiquem as experiências construídas, sem gerar mais confusão normativa junto às instituições formadoras. Ao nosso ver, é sobre tais bases que políticas públicas e referências normativas devem propostos.

Nesse sentido, é inaceitável e absolutamente preocupante a proposição e a hipótese de aprovação desta nova resolução. Por esta razão, o FNE apresentou sua avaliação cuidadosa ao MEC, em audiência, realizada em 14.11.23, sinalizando que a Proposta de Minuta, sem diálogo com o FNE e suas entidades, atropela e desconsidera, inclusive, os compromissos assumidos pelo próprio MEC. Ratificamos que nossa posição se mantém mesmo que o texto atual da Proposta de Minuta, divulgada pelo CNE, em 06.12.23, apresente alterações pontuais. Salientamos, ainda, que tal encaminhamento se, efetivado for, será um grande equívoco político-pedagógico e, certamente, implicará em desgaste desnecessário ao CNE, prejuízos enormes às Instituições de ensino superior, e, também desgastes ao governo do campo democrático-popular comprometido com a retomada de políticas públicas de Estado em contraposição aos retrocessos impostos ao país, nos últimos 06 (seis) anos.

Ressaltamos que a deliberação sobre a retomada da Resolução CNE/CP nº 2/2015 compõe os esforços do GT de Formação de Professores instituído pelo MEC como uma das ações mais importantes da Política de Formação de Professores. Essa última precisa ser apresentada à sociedade como uma Política de Estado para a Formação de Professores com as demais contribuições apontadas pelo GT no sumário de conclusão dos trabalhos.

Por fim, entendemos que a audiência do FNE com o MEC, dia 14.11.23, foi exitosa e a deliberação de retomada da Resolução CNE CP nº 2/2015 um acerto e aceno político do MEC para as instituições e entidades do campo educacional e consequente revogação das Resoluções CNE CP nº 2/2019 e 1/2020.

Por outro lado, a ação do CNE ao submeter uma nova proposta de minuta, aqui analisada, desconsidera todo este processo, bem como, as demandas efetivas das IES, entidades nacionais, fóruns (incluindo o FNE) pela retomada da Resolução CNE CP nº 2/2015.

Este descompasso deve ser superado. O FNE demanda ao CNE e, novamente, ao MEC, a garantia das condições objetivas para a proposição de políticas orgânicas de Estado, em sintonia com a retomada da Resolução CNE/CP nº 2/2015, para a formação inicial e continuada de professores da educação básica atendendo a pleito da sociedade.

Nessa direção, salientamos a importância do atual momento político pedagógico em que se efetivaram as etapas preparatórias da Conferência Nacional de Educação (etapa nacional prevista para o período de 28 a 30/01/24), cujo documento corrobora a reivindicação do FNE, como caminho importante para a valorização dos profissionais da educação no processo de construção do Novo Plano Nacional de Educação (PNE), em bases sólidas, democráticas, com participação social e em sintonia com o campo da educação brasileira.

Brasília, 08 de dezembro de 2023

Fórum Nacional de Educação


[1] Uma primeira versão da Resolução, objeto de análise crítica do FNE, foi encaminhada informalmente pelo Presidente do CNE à Presidente da ANFOPE e a Minuta Atual (disponibilizada no site do CNE para Consulta em 06.12.23) apresentou algumas alterações, mantendo, contudo, a lógica e a dinâmica anterior.

 

Leia o documento original aqui.