NOTA SOBRE O INCÊNDIO DA ESTÁTUA DE BORBA GATO

No último dia 24 de julho foi incendiada a estátua representando o bandeirante Manuel da Borba Gato, no distrito de Santo Amaro, cidade de São Paulo. A autoria foi reivindicada nas redes sociais pelo coletivo Revolução Periférica, que promoveu o ato político sem feridos, a não ser o próprio orgulho de certos grupos sociais paulistanos. Sem muita demora, a polícia civil de São Paulo decidiu acusar e realizar prisão temporária dos ativistas em favor dos direitos trabalhistas dos entregadores de aplicativo, Paulo Roberto da Silva Lima, conhecido como “Galo de luta”, Géssica de Paula Silva Barbosa e Danilo Oliveira, o “Biu”. Em entrevista disponível na internet, Géssica informa que sequer estava presente no ato do dia 24.

O GT Os índios na História, da Associação Nacional de Historiadores (Anpuh) vem por meio desta nota apoiar publicamente o debate sobre memória histórica e a necessidade de ressignificação de símbolos que remetem a identidades regionais e nacional. A estátua de Borba Gato representa a construção de um país por meio da destruição de tantos mundos e pessoas indígenas. Os responsáveis pela sua construção não pensaram em outra coisa senão homenagear alguns ancestrais da atual elite paulista, que se ergueram econômica e politicamente sobre a escravização e morte de incontáveis vidas indígenas, cujos legados são perceptíveis até hoje.

Retomando o brilhante trabalho do historiador John Monteiro, “Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo”, é possível conhecer a rede familiar de Borba Gato e a sua inserção nas expedições que se propunham a descobrir metais e pedras preciosos, mas angariava como bem maior para a construção da capitania, a mão de obra escravizada de indígenas. É elucidativa a afirmação de Monteiro:

“Buscando assegurar um lugar de destaque para seus ascendentes no panteão da história nacional, os estudiosos paulistas curiosamente têm menosprezado o contexto local nas suas interpretações sobre o sentido e a evolução do chamado bandeirantismo. [...] Contudo, apesar dos pretextos e resultados variados que marcaram a trajetória das expedições, a penetração dos sertões sempre girou em torno do mesmo motivo básico: a necessidade crônica de mão de obra indígena para tocar os empreendimentos agrícolas dos paulistas” (p. 57)

Frente a informações solidamente baseadas em pesquisa científica, torna-se urgente trazer ao debate público a necessidade de reconstruir de maneira crítica memórias e monumentos que insistem em ratificar uma narrativa sobre o extermínio e a escravização de povos indígenas. Lembremos que “não há documento de cultura que não seja também documento de barbárie” (Tese VII, Walter Benjamin).

O ato do dia 24 de julho pode ser inserido em um movimento mundial e popular de ressignificação de monumentos, como já ocorreu em Bristol, na Inglaterra, com a derrubada da estátua do traficante de pessoas escravizadas Edward Colston; e em várias cidades dos Estados Unidos com a retirada e a pichação de estátuas dos conquistadores Cristóvão Colombo e Juan Ponce de León.

O incêndio da estátua de Borba Gato comoveu a opinião pública, atingindo, assim, o seu objetivo principal: questionar a continuidade da representação física da memória sobre a violência contra povos indígenas. Pauta atualíssima no Brasil de 2021.

Por isso, prestamos nosso apoio e nossa solidariedade ao coletivo Revolução Periférica, a Paulo Roberto da Silva Lima (“Galo de luta”), Géssica de Paula Silva Barbosa e Danilo Oliveira (Biu).

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